0 ou 1? Computação quântica
Mario Pires de Almeida Filho, especialista em redes de telecom
Quase duas décadas se passaram do ano em que ocorre a história e visão de futuro apresentadas por Stanley Kubrick, há mais de 50 anos em sua magnífica produção “2001 Uma Odisséia no Espaço”. Era de se esperar, pela sua visão, que se em 2001 já estaríamos realizando pontes aéreas pelo espaço, nesta altura já deveríamos ter o teletransporte, como em Star Trek.
Pois bem, isso não aconteceu. Mas algo que começou antes do lançamento do próprio filme, bem antes mesmo – no fim do século 19 e na primeira metade do século 20 com os trabalhos de, entre outros, Planck, Einstein, Louis de Broglie, Bohr e Heisenberg (não o “cozinheiro” de Breaking Bad) – deu base a uma nova visão da física, muito mais próxima da representação real da natureza: a física e a mecânica quânticas.
Essencialmente, isso considera não mais a trajetória linear das partículas atômicas e subatômicas, que simplesmente compõem tudo o que há na natureza, como era visto na mecânica clássica, mas, sim, a probabilidade de se encontrar as partículas no espaço e no tempo. E isso muda conforme o observador e ainda se reflete em outros estados e espaços.
Complicado não? Para mim também é, não sou físico, mas procuro entender cada vez mais a física quântica, não só porque, como afirmou o cientista Richard P. Feyman, é o único caminho para explicar e simular a natureza, que não é clássica, mas também porque traz resposta até mesmo a fenômenos considerados esotéricos.
Um filme legal para (nós leigos) aprendermos um pouco da física quântica e até mesmo dos aspectos mais, digamos, alternativos e psicanalíticos é o “Quem Somos Nós?” (título original “What the Bleep Do We Know!?”), além claro de podermos encontrar inúmeras publicações e vídeos na Internet sobre o tema.
A computação quântica
Pois bem, é com os mesmos princípios desvendados pelas física e mecânica quânticas que a computação quântica se baseia e evoluiu em trabalhos que aceleraram na década de 1960 e ainda mais a partir da década de 1980.
Na computação quântica, a menor unidade de informação é qubit (quantum bits), que diferente do bit da computação tradicional, que assume apenas um valor por vez (0 ou 1), pode apresentar dois estados, 0 ou 1, simultaneamente.
Na verdade uma composição ou superposição de 0 ou 1 com fatores de probabilidade distintos, que dependem da composição do sistema e mantém os dois estados, simultaneamente, até a hora da sua medição ou solução.
Com isso, a dimensão da solução fica muito ampliada, pois a cada qubit adicionado ao sistema, a capacidade computacional dobra exponencialmente, diferente do computador tradicional que precisa aumentar a sua quantidade de transistores para ampliar a sua capacidade de processamento, esbarrando nos limites da Lei de Moore.
O crescimento potencial, portanto, é de dois (pois são dois estados simultâneos) elevado ao número de qubits do sistema. Até recentemente, o número alcançado pelos sistemas de computação quântica existentes era de 2 elevado a 17, atualmente a IBM já possui sistemas capazes de processar 2 elevado a 50 quibits, simultaneamente, ou seja, são 250 soluções que podem ser alcançadas em apenas um ciclo computacional.
Bom, o fato é que com a superposição e o emaranhamento de estados (interdependência de estados), a computação quântica é capaz de resolver cálculos e simulações de forma extraordinária, podendo até mesmo colocar em risco a segurança dos sistemas criptografados, já que uma das bases de uma quebra de segurança é a decomposição fatorial, coisa que um sistema quântico pode realizar em muito pouco tempo.
Na verdade, a computação quântica também depende de uma evolução no desenvolvimento de sistemas que considerem novas formas de se codificar e escrever softwares.
E aí chegamos ao ponto de hoje, em que podemos vislumbrar esta tecnologia mais próxima do mundo real, contribuindo com pesquisas e desenvolvimentos em diversas áreas como a química, medicina e biomedicina, sistemas financeiros, inteligência artificial e infinitas outras aplicações que são tão dependentes de cálculos complexos de forma rápida.
Mas o que pega? Por que ainda não é uma realidade comercial, apesar de se aproximar desta condição?
Isso se dá pela questão da estabilidade da informação. Algumas formas para se representar um qubit são a polarização de fótons ou orientação de elétrons, por exemplo, por si só partículas complicadas de se dominar. Para que isso ocorra, é necessário um resfriamento próximo de 0 grau Kelvin, o que explica o quão complexo e caro é a disponibilização de um sistema computacional quântico.
Mas com as evoluções recentes da tecnologia, principalmente nos últimos três anos e, notadamente, por parte da IBM em seu programa IBM-Q, nós, seres humanos comuns, já podemos explorar as capacidades da tecnologia, inclusive com sistemas disponibilizados na nuvem, kits de desenvolvimento, programas de aquisição de conhecimento, programas de parceria e muito mais, incluindo sistemas comerciais já em produção.
E é por isso que a computação quântica está ganhando visibilidade e destaque entre os temas emergentes mais quentes da atualidade, com o “grande barato” de ainda estar apenas começando uma verdadeira e profunda revolução, que vai afetar a vida de todos os seres deste planeta e quem sabe de outros.