5G ou Wi-Fi 802.11ax: Quem vai vencer a batalha?
Tanto o 5G quanto o Wi-Fi possuem características muito particulares que serão benéficas. A operadora que melhor explorar essas tecnologias e definir e executar uma estratégia que aproveite as duas se tornará a campeã. No final, o vencedor será o usuário.
Cees Links, da Qorvo
Ao mesmo tempo em que a tecnologia e os padrões de comunicação de dados sem fio estão em desenvolvimento, novos padrões e tecnologias proprietárias já desenvolvidas, como a Zigbee, clamam por atenção. Diante de tantas informações, como diferenciar o que é ruído do que é real e importante? Os consumidores devem se preocupar com isso? O panorama atual, mostrado na figura abaixo, traz uma variedade de tecnologias de comunicação sem fio que desempenham algum papel no nosso cotidiano.
Apesar de todas as invenções de marketing, é relativamente fácil olhar para o panorama atual e entender para onde as coisas estão indo e, como frequentemente é o caso, pode ser útil lembrar onde estamos hoje como chegamos até aqui.
Existem apenas três pontos primordiais na tecnologia de rádio e que experimentamos em nossas vidas diárias: alcance, taxa de dados e energia.
- Experimentamos o alcance quando o telefone está conectado a uma estação base (ou não), o laptop a um roteador em casa ou ainda quando o fone de ouvido está conectado ao celular. E todos sabemos, por experiência, o que acontece se um dispositivo ficar “fora de alcance”.
- Também estamos bastante familiarizados com a taxa de dados, principalmente quando assistimos a vídeos ou ouvimos música. Até o momento, o Wi-Fi é o rei da taxa de dados. No entanto, já temos condições de receber taxas semelhantes por meio de LTE e 5G, muito embora a um preço maior.
- Finalmente, enquanto nos acostumamos a recarregar regularmente os nossos telefones e laptops, somos lembrados da importância de monitorar o consumo de energia naqueles momentos irritantes, quando descobrimos que os dispositivos não estão carregados.
Esses três itens se encaixam de modo interessante em uma espécie de lei básica da física. Tente aprimorar um deles, e os outros dois devem ceder ao que foi modernizado. Naturalmente, melhorias gerais foram feitas em todos os três ao longo do tempo, mas a relação entre eles é a mesma.
Por exemplo, se desejar aumentar a taxa de dados, opta-se por perder o alcance ou aumentar a energia de saída. Atualmente, o Wi-Fi, com suas velocidades mais altas, tem menos alcance do que no passado e precisa de repetidores com mais frequência. Melhorar isso é um dos estímulos para desenvolver o Wi-Fi distribuído ou Wi-Fi mesh. Esse mesmo tipo de relação vale para o Zigbee, o “Wi-Fi de baixa potência”.
Essencialmente, o Zigbee obtém o mesmo intervalo que o Wi-Fi, porém com uma taxa de dados baixa e uma potência significativamente menor, garantindo, dessa forma, uma duração muito longa da bateria.
Há ainda um quarto elemento nesta equação: altas frequências reduzem o alcance ou exigem maior potência para conseguir o mesmo alcance. Porém, as altas frequências têm a vantagem de mais largura de banda e, portanto, maiores taxas de dados. Isso explica a tendência de altas taxas de dados “procurarem” altas frequências. Hoje, as mais recentes versões do Wi-Fi estão na faixa de frequência de 60 GHz, com alvos de até 100 Gbps (.11ay).
Obviamente, muito mais pode ser dito sobre o assunto, mas em grande medida, esses parâmetros são os motivos pelos quais há três rádios nos telefones. Um rádio (LTE) serve para obter alcance para se conectar à estação base mais próxima em seu bairro; o segundo rádio (Wi-Fi) serve para obter desempenho quando você está em casa ou no escritório; e um terceiro rádio (Bluetooth) serve para permitir conectividade de curto alcance para os pequenos dispositivos, como fones de ouvido.
Um resumo das tecnologias
Conforme a tecnologia avança, as diferenças entre telefones, TVs, laptops e tablets desaparecem. De certa forma, todos eles estão se tornando “computadores em rede”, mas cada um ainda tem seu próprio histórico de padrões de comunicação sem fio, já que cada um experimentou a sua própria transição da tecnologia com fio para a tecnologia sem fio. Telefones e computadores tiveram um caminho mais dinâmico, mas como os televisores são em grande parte dispositivos estáticos, sem mobilidade, a indústria de cabo e satélite permaneceu conectada apenas em seu próprio universo.
Diferentes padrões de tecnologia de rede
Atualmente, o órgão de padronização para comunicação por telefone sem fio é o 3GPP; e para comunicação de dados de computador sem fio é o IEEE 802.11. As raízes do 3GPP estão nas operadoras de telefonia e em seus patrocinadores governamentais, lembrando que as operadoras eram originalmente órgãos governamentais e, em alguns países eles ainda o são. Já o IEEE 802.11 está enraizado na indústria de computadores, que reúne além de pesquisadores acadêmicos e reguladores, uma grande associação de engenheiros, a maioria patrocinada por suas empresas empregadoras.
Além de suas origens, o IEEE 802.11 e o 3GPP têm outra diferença fundamental. O 3GPP patrocinado pelo governo trabalhou o licenciamento do espectro, que pode ser adquirido por um determinado período de tempo para fornecer serviços de comunicação. Enquanto licenciador, o governo é responsável por garantir que o espectro seja usado exclusivamente pelo licenciado.
Não é o que acontece com o IEEE 802.11. A padronização dessa tecnologia foi feita nas bandas “não licenciadas”, bandas que foram reservadas pelo governo para “uso livre”, baseadas em um conjunto de regras com potência limitada, de modo que a faixa de interferências para aplicações permaneça local. Essas bandas são chamadas ISM (Industrial, Scientific and Medical) e podem ser encontradas nas faixas de 2, 5 e 60 GHz.
As empresas investiram em seus engenheiros para desenvolver o IEEE 802.11 e, depois de criado, precisaram reforçar as conformidades do IEEE 802.11 como padrão, pois essa tecnologia em si não regula a conformidade. Para solucionar o problema surgiu a Wi-Fi Alliance, fundada por essas empresas interessadas em reforçar e promover o padrão IEEE 802.11, sob a marca Wi-Fi.
Vale lembrar que, sem exagero, hoje a Wi-Fi é considerada uma das marcas mais valiosas do mercado. O 3GPP, por outro lado, nunca se concentrou em uma estratégia de marca coesa voltada para os consumidores. Isso faz sentido porque o 3GPP era do grupo das operadoras, que sempre teve um certo controle do mercado. Elas nunca tiveram que conquistar os corações e mentes dos consumidores, como o Wi-Fi e o Bluetooth. Então, em vez de se preocupar com problemas de consistência da marca, conjuntos inteiros de padrões cada vez melhores migraram do GSM/GPRS para o 3G, Edge, 4G, LTE e agora 5G, o que provavelmente envolverá um novo conjunto de implementações.
As batalhas e os sucessos do Wi-Fi
Quando o Wi-Fi surgiu, no final dos anos 90, a tendência geral na terra do 3GPP era perguntar: por que você precisa de Wi-Fi? Naquela época, a padronização do 3G estava progredindo bem e prometendo altas taxas de dados, e os modems 3G conectados ou integrados em laptops forneceriam conectividade onipresente.
Então, por que se preocupar com Wi-Fi? A opinião geral era de que essa “tecnologia não licenciada” desapareceria, provavelmente mais cedo do que tarde, porque nas faixas não licenciadas a falta de supervisão faria com que o desempenho caísse rapidamente em espiral.
No entanto, sabemos hoje que as coisas se revelaram de maneira diferente. O Wi-Fi encontrou uma maneira de operar adequadamente nas bandas ISM não licenciadas e satisfazer as necessidades de conectividade sem fio em ambientes internos, residenciais ou comerciais, onde o 3G não conseguiu penetrar bem.
Além disso, o Wi-Fi aumentou rapidamente a sua taxa de dados e expandiu suas capacidades, movendo-se da faixa de frequência de 2,4 GHz para a de 5 GHz. As tecnologias de ampliação de alcance e, mais recentemente, o conceito de Wi-Fi distribuído e Wi-Fi mesh também sustentam o sucesso do Wi-Fi até o momento.
Um dos motivos pelo qual o Wi-Fi foi bem-sucedido foi o fato de que as comunicações de dados via 3G exigiam uma assinatura paga das operadoras de telefonia e um plano de dados, que inicialmente gerava contas bastante pesadas, sem mencionar as tarifas de roaming. Em comparação, o Wi-Fi era gratuito, ou pelo menos, o incremento de custo do Wi-Fi via telefone fixo, ISDN e, posteriormente, com o ADSL, tinha um custo limitado.
Tínhamos operadoras cabeadas competindo diretamente com as operadoras sem fio, o que acabou estimulando a aceitação mundial do Wi-Fi. As operadoras de telefonia móvel ajudaram nisso, desencorajando inicialmente o uso de 3G para dados e, portanto, encorajando o uso do Wi-Fi, devido à preocupação com um colapso do serviço de voz, se o uso excessivo de dados 3G fosse feito.
Aliás, isso responde à pergunta de por que a maioria dos computadores e tablets tem apenas dois rádios. Os rádios licenciados pelo 3G (e seus sucessores) raramente eram integrados em computadores ou tablets porque o Wi-Fi oferecia uma conexão à Internet econômica e versátil. Em comparação, um rádio 3G integrado era caro demais. Quando uma solução móvel é necessária, os usuários se voltam para dispositivos como modems 3G ou, mais comumente, usam seu telefone celular como um hotspot.
Wi-Fi versus Bluetooth (e agora Zigbee)
Ao mesmo tempo em que a batalha entre Wi-Fi e 3G se desenrolou, outra surgiu. Várias empresas que eram fornecedoras do setor de telefonia, notadamente Ericsson e Nokia, enxergaram outro uso para as bandas ISM: o de melhorar a conectividade do telefone ao se conectar a um hotspot para downloads de informações e ao conectar fones de ouvido sem fio e outros dispositivos ao telefone.
Para criar um padrão para esse tipo de conectividade via telefone, foi criado o Bluetooth SIG – Special Interest Group, tendo empresas como membros, em oposição aos engenheiros membros do IEEE 802.11. Logo de início, o Bluetooth SIG alardeou o 3GPP como a maravilha e declarou o Wi-Fi como redundante, dizendo ao mercado que o Wi-Fi logo desapareceria.
Mais uma vez, não foi bem assim. Após alguns anos, ficou claro que o Wi-Fi e o Bluetooth tinham domínios de aplicativos separados e definidos: Wi-Fi para rede e Bluetooth para conectividade periférica. Desde então, muitos dispositivos surgiram com Wi-Fi e Bluetooth. O primeiro para as redes de alta velocidade e o segundo para conectar dispositivos. Por um tempo, houve um esforço para tornar o Bluetooth parte do IEEE, mas suas diferenças organizações e associações não permitiram.
Curiosamente, há uma sequela desta batalha que ainda hoje repercute. O Zigbee, a variante de baixa potência do Wi-Fi, baseado no IEEE 802.15.4, está sob ameaça do BLE – Bluetooth Low Energy, a variante de baixa potência do Bluetooth. O Bluetooth SIG está desenvolvendo uma variante de rede (Bluetooth mesh) que deve competir com o Zigbee.
Mas, analisando as propostas iniciais, parece que seria necessário adicionar uma considerável complexidade ao BLE para alcançar o que já está disponível com o Zigbee. Portanto, teremos que esperar e ver como isso vai se desenrolar.
Disponibilidade de espectro
A evolução das tecnologias sem fio foi possível graças à crescente quantidade de espectro de rádio disponibilizado pelas autoridades reguladoras do mundo. As figuras abaixo fornecem indicações aproximadas das principais tecnologias e bandas de frequência envolvidas. Na World Radio Conference de 2019 (conferência mundial de rádio), novas alocações significativas são esperadas para Wi-Fi e 5G, para suportar a crescente demanda por comunicações de dados sem fio.
Operadoras de telefonia e Wi-Fi trabalhando juntas?
Alguém poderia pensar que depois de 3G e Wi-Fi travarem as suas batalhas, as demarcações entre as duas tecnologias seriam claras: Wi-Fi para áreas privadas, casa e escritório, e 3G em qualquer outro lugar.
Mas não. Inicialmente, as operadoras de telefonia no 3GPP estavam bastante desconfiadas sobre o desenvolvimento dos chamados “hotspots”, locais públicos onde as pessoas podiam ter acesso à Internet de alta velocidade sem a necessidade de uma assinatura.
Felizmente, para as operadoras de telefonia, descobriu-se que administrar um grande número de hotspots não era tão fácil assim, especialmente para grandes redes de varejo e hotéis, cidades, trens, etc. Com isso, as empresas de hotspots públicos foram lentamente absorvidas pelas operadoras de telefonia, que começaram a adotar o Wi-Fi e aprenderam que ser “não licenciadas” não era tão ruim quanto parecia.
As operadoras até desenvolveram estratégias para usar pontos de acesso públicos junto com roteadores privados para “desembarcar” sua rede. Em outras palavras, significa usar pontos de acesso Wi-Fi conectados aos serviços telefônicos tradicionais.
Ao mesmo tempo, consumidores e empresas estão aprendendo que o funcionamento de redes Wi-Fi está se tornando mais complexo, e operadoras de telefonia, e mais recentemente operadoras a cabo, estão descobrindo que redes Wi-Fi privadas são oportunidades de negócios, ajudando consumidores e pequenas empresas a operarem suas redes.
Hoje, com o rápido crescimento do tráfego de dados, especialmente por meio de aplicativos de vídeo como o YouTube, as operadoras precisam aumentar a capacidade. Mas conseguir mais bandas de frequência não é fácil. Uma maneira mais rápida de obter essa capacidade, além de aproveitar o Wi-Fi, foi perceber que o sucessor das tecnologias 3G, 4G ou LTE também pode ser executado na banda ISM.
Essa percepção deu origem ao conceito de LTE-LAA – LTE with Licensed Assisted Access. As especificações 3GPP permitem que o Wi-Fi e o LTE-LAA sejam usados no mesmo espectro de 5 GHz. As primeiras instalações do LTE-LAA estão sendo planejadas agora. Teremos que esperar para saber se elas terão sucesso.
Há uma nova batalha se aproximando. O IEEE 802.11 tem trabalhado diligentemente em versões de maior velocidade: .11n e .11ac, e está no processo de completar o .11ax. Ao mesmo tempo, o 3GPP está passando de 4G/LTE para o 5G.
Assim, não é uma surpresa que a conversa seja, de novo, sobre qual tecnologia vai ganhar: o 5G ou IEEE 802.11ax? Ambos estarão nas altas taxas de dados (Gbps) e serão muito intensivos no uso de energia para obter um bom alcance.
O IEEE 802.11ax tem um caminho claro, embora aumente a taxa de dados, a faixa de frequência é reduzida. Curiosamente, o Wi-Fi transformou essa desvantagem em uma vantagem ao enfocar esse novo padrão IEEE 802.11ax em redes Wi-Fi distribuídas e permitir o uso de vários canais ao mesmo tempo, para conectar vários pontos de acesso em áreas diferentes a um roteador principal.
O foco do IEEE 802.11ax é a cobertura interna total, com todos os cantos da casa ou do prédio de escritórios cobertos pela mesma alta taxa de dados, criando uma experiência que não será facilmente substituível pelo 5G. E, para que não pareça bom demais para ser verdade, o IEEE 802.11ax é um padrão muito difícil e sua conclusão foi adiada por mais seis meses, com a ratificação agora prevista para o início de 2019.
O 5G também enfrenta desafios sérios, incluindo atrasos. As taxas de dados mais altas do 5G também criam uma penalidade em seu alcance e, para as estações radiobase de celular a cobertura acontece “por quadra” (by the square). A expectativa é que o alcance para 5G diminua pelo menos a metade, forçando o número de estações radiobase mais que quadruplicar. Em áreas urbanas densas, encontrar imóveis para colocar estações de radiobase tem um custo muito alto. Assim, a implantação da infraestrutura 5G terá um custo significativo, ao mesmo tempo em que muitas operadoras ainda estão recuperando os seus investimentos em 4G.
Embora isso varie um pouco em cada país e na estrutura financeira das operadoras de telefonia, a crença é que as taxas de dados mais altas serão necessárias para sustentar o apetite do consumidor e dos negócios, particularmente em densos cenários populacionais, onde o uso de espectro licenciado pode ser melhor controlado do que o não licenciado.
De qualquer forma, o dinheiro flui para o desenvolvimento e amadurecimento do 5G.
Conclusão
Quem vai vencer a batalha? Honestamente, não deveria haver uma batalha. Tanto o 5G quanto o Wi-Fi possuem características muito particulares que serão benéficas para conectar diferentes dispositivos à Internet. A operadora que melhor explorar ambas as tecnologias e definir e executar uma estratégia que aproveite as duas se tornará a campeã. Visto por esta perspectiva, o vencedor dessa batalha tecnológica será o usuário final.