A arquitetura corporativa e os frameworks de telecomunicações: Uma parceria de sucesso
Gustavo Bunger, fundador da AC Talks
Com as primeiras grandes implantações de sistemas, redes e data centers na década de 60, surgiram dificuldades na gestão da estratégia corporativa, no controle do uso dos recursos e os “silos” de informação entre departamentos, cuja luta para encerrá-los perduram em muitas organizações até hoje. A partir da década de 70 apareceram as primeiras metodologias para arquitetura corporativa, como o BSP – Business System Planning , e na sequência os primeiros frameworks, como Zachman e os governamentais DoDAF, FEAF e TOGAF, do The Open Group, bastante conhecido pelo mercado.
Estes frameworks e metodologias deram substância e usabilidade às visões arquitetônicas e, a partir da década de 80, foram surgindo outros tipos de arquiteturas e frameworks especializados, em especial para telecomunicações, como veremos na sequência.
O TM Forum
Em 1988, oito empresas de peso das áreas de TICs – tecnologia da informação e comunicações se juntaram para formar o OSI/Network Management Forum:
- AT&T, Hewlett-Packard, Amdahl Corporation e Unisys, dos EUA.
- Telecom Canada e Northern Telecom, do Canadá.
- R3British Telecom e STC, da Grã-Bretanha.
Dali em diante, o fórum seguiu num crescente de associados (hoje são mais de 850 organizações ao redor do mundo), mudou de nome algumas vezes e também iniciou a divulgação de diversos padrões de arquitetura e interoperabilidade entre vários fornecedores e integradores de soluções de telecomunicações e computação.
NGOSS
A partir do ano 2000, o naquela época chamado Telemanagement Forum iniciou seu programa NGOSS – Next Generation OSS/BSS Solutions. O objetivo da iniciativa era debater e concretizar o conceito de interoperabilidade entre os vários provedores de soluções físicas e lógicas de telecomunicação, muitos deles ainda trabalhando com padrões proprietários. O que por um lado era uma forma de defesa dos nichos e markets share, provocava no conjunto da obra um gargalo na evolução da conexão entre redes, e, portanto, na expansão da “economia de Internet” dificultava a logística e manutenção e não promovia uma competição mercadológica justa com organizações de diversos tamanhos e com boas soluções.
A principal forma de expressão dos grupos de trabalho dentro do fórum foi um repositório de documentações, padrões, modelos e códigos que fossem consultados e adotados pelas organizações associadas. Dentro desse conjunto de conhecimento, as contribuições mais expressivas foram os seus frameworks de arquitetura, processos e dados específicos para telecomunicações: TAM, eTOM e o SID.
Frameworks para telecom
Em maior ou menor grau, todos eles ao longo de sua evolução procuraram se alinhar com o que já havia sido estudado e proposto nos padrões e modelos pregressos de arquitetura corporativa. Antes de entrarmos no detalhe, é importante entendermos que nos modelos típicos de arquitetura, como no TOGAF, por exemplo, os elementos corporativos que fazem parte de uma organização são separados em camadas: negócios, aplicações, dados e tecnologia (que pode ser interpretado como infraestrutura). Essas mesmas camadas foram utilizadas como norteadoras dos materiais do TM Forum:
- Camada de Negócios: eTom.
- Camada de Aplicações: TAM.
- Camada de Dados: SID.
- Camada de Tecnologia: Open API, Toolkits.
TAM
O TAM é um conjunto de aplicações que suporta os processos de negócio, cada qual com uma descrição e uma série de funcionalidades típicas associadas. Essas aplicações são visualmente organizadas num arranjo entrelaçado de camadas e colunas (daí o nome framework – treliça), que representa agrupamentos de temas para os quais aquelas aplicações atuam.
Inicialmente, o acrônimo significava Telecom Application Map (mapa de aplicações de telecom). Com o passar do tempo, verificou-se que esta visão não era restrita só a telecomunicações: quase toda empresa tem atividades de faturamento, atendimento, cobrança, etc. Com isso, ainda que a sigla corresponda à sua origem, o TM Forum mudou seu nome para Application Framework, correspondendo à sua abrangência.
Por meio do TAM é possível identificar rapidamente a que domínio funcional uma aplicação pertence, se ela atende aos temas de BSS ou aos de OSS, se é voltada para a estratégia ou operações e se é comum a toda a empresa, além de saber que capacidades ela deve ter. Isso facilita o diálogo entre arquitetos, fornecedores e operadoras e também ajuda na execução de métodos como APM (gestão do portfolio de aplicações).
eTOM
O Telecom Operations Map (mapa de operações de telecomunicações, atualmente chamado de Business Process Framework) é um grande catálogo hierárquico dos processos de negócio que devem compor uma empresa de telecomunicações, mas que como o TAM, pode servir de referência para outras organizações.
Também é apresentado na forma de um framework que segue a lógica de divisão de assuntos e propósitos, porém descrevendo processos.
SID
O Shared Information Data (dados de informações compartilhada, atualmente chamado Information Framework) corresponde à resposta do TM Forum para modelos de dados e informações que possam ser usados de forma comum entre as organizações, decompondo, agregando e descrevendo domínio, entidades, atributos, associações e outros temas típicos de uma arquitetura de dados. Sua origem está fortemente atrelada à recomendação ITU-T M3100, de 1992: Generic Network Information Model (modelo genérico de informações de rede) e também às contribuições dentro do fórum.
A estrutura do SID começa nos domínios, que são comuns ao TAM e ao eTOM. A partir daí são descritos os ABE – Aggregate Business Entitities (entidades agregadoras de dados) que podem ser decompostos na camada seguinte: Business Entities (entidades de negócio). Estas entidades representam elementos que sejam de interesse do negócio, tangíveis, conceituais ou ativos. Na sequência o modelo descreve classes e atributos desses elementos, utilizando a UML como a linguagem de modelagem dessas descrições.
Além do framework
Além dessas contribuições, que marcaram e melhoraram o panorama do mercado de TIC ao longo desses mais de 30 anos de existência, existem outros programas do TM Forum que merecem menção.
ODF
O Open Digital Framework (framework digital aberto) é um conjunto de ferramentas, padrões e códigos que visa facilitar a migração dos atuais sistemas de TIC (chamados de legados) para sistemas modulares, nativos em nuvem e com orquestrações usando a inteligência artificial.
Lançado em maio de 2020, esse framework incorpora e representa as atualizações das visões do TM Forum sobre temas modernos como o advento do 5G, virtualização de redes, orientação a dados, cloud, aprendizado de máquina, conteinerização, metodologias ágeis e outros temas correntes que ganharam destaque nos últimos 10 anos.
Open API
As formas de integração entre as plataformas, sistemas e organizações propostas pelo TM Forum e que são a base para a interoperabilidade foram atualizadas ao longo do tempo, desde os paradigmas mais simples de comunicação batch até o uso de APIs. Com o programa Open API, o próprio fórum mantém, atualiza e compartilha APIs abertas, com os respectivos códigos, requisições, respostas e exemplos para que as organizações participantes possam usufruir, fomentando a padronização e o reuso, acelerando o teste e implantação de novas tecnologias.
Gustavo Bunger é graduado em análise de sistemas pela Faculdade Anhanguera de Belo Horizonte e pós-graduado em novas tecnologias da informação pela UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui mais de 20 anos de experiência em TIC, atuando em educação, operações de sistemas, gestão de serviços e arquitetura corporativa. É fundador da iniciativa AC Talks, que visa divulgar temas de arquitetura por meio de palestras.