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Aplicação da rastreabilidade metrológica em tensão contínua
Este artigo discute a importância da rastreabilidade na medição de tensão contínua (DC), essencial para a garantia da confiabilidade metrológica. A rastreabilidade conecta medições a padrões de referência por meio de comparações contínuas, conforme a norma ISO/IEC 17025, vital para laboratórios de calibração. É também abordado um exemplo prático de como o Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT adota a rastreabilidade metrológica para as medidas de tensão DC.
Ednaldo A. C. Correia, Adriely C. B. Souza, Karen I. L. Vieira e Fabrício G. Torres, metrologistas do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
Um multímetro digital é um instrumento essencial para medidas de grandezas elétricas. Suas faixas de tensão contínua (tensão DC) são amplamente usadas para medir a tensão elétrica de pilhas ou baterias alcalinas de 9 V, por exemplo.
Para estas aplicações, não se considera essencial que o multímetro seja de boa resolução, já que a medida com uma ou duas casas decimais (8,9 V ou 8,94 V) não costuma definir se a bateria deve ou não ser jogada no lixo reciclável.
Entretanto, em diversos processos industriais, P&D&I ou em laboratórios de ensaios e homologação de produtos, as medidas de tensão DC são tão importantes que necessitam de multímetros com muitas casas depois da vírgula. De fato, no mercado, temos multímetros que atendem a esta demanda, conhecidos como multímetros de bancada.
Em telecomunicações, a tensão DC pode estar presente de diversas formas, trazendo vantagens ou desvantagens e, portanto, é uma grandeza que deve ser frequentemente medida e controlada.
Na forma de descargas eletrostáticas, a tensão DC é uma das maiores vilãs de técnicos e engenheiros, já que os dispositivos e equipamentos de telecomunicações costumam ser bastante sensíveis à estática.
Por outro lado, a tensão DC serve como sinal confiável para medidas em alta frequência por meio de sensores de RF, que atuam como transdutores, convertendo sinais de alta frequência em valores de tensão contínua, que, em seguida, são recebidas e processadas por mostradores digitais.
A quantidade de dígitos de um medidor não, necessariamente, representa que o instrumento possui boa exatidão, já que isso apenas, não garante a magnitude do erro de medição, que pode ser resultado de fatores aleatórios ou sistemáticos intrínsecos ao aparelho. Esses fatores somente podem ser conhecidos por meio de calibração, um processo que consiste em comparar as medidas do item sob calibração com outro instrumento de medição (ou sistema de medição), denominado como padrão, cuja exatidão não apenas seja conhecida, mas que, preferencialmente, seja melhor que a do instrumento sob calibração. Esta prática de calibração somente é válida se a cadeia de rastreabilidade metrológica for assegurada.
O que é rastreabilidade metrológica?
Segundo o VIM – Vocabulário Internacional de Metrologia, rastreabilidade metrológica é:
“Propriedade dum resultado de medição pela qual tal resultado pode ser relacionado a uma referência através duma cadeia ininterrupta e documentada de calibrações, cada uma contribuindo para a incerteza de medição.”
Em outras palavras, considera-se que uma medida possui rastreabilidade metrológica somente se esta medida tiver sido submetida a um processo que a associe adequadamente ao Sistema Internacional de Unidades, conforme exemplificada na figura 1.
Para assegurar a rastreabilidade metrológica, diversos fatores devem ser considerados, tornando o processo de calibração mais complexo do que uma simples comparação de medidas e, não por acaso, há uma demanda crescente que esta atividade seja realizada por laboratórios que seguem a norma ABNT NBR ISO/IEC 17025, determinando que o laboratório tenha um sistema de gestão da qualidade robusto, alinhado à ABNT NBR ISO 9001 e, adicionalmente, atenda aos requisitos mínimos relativos a pessoas, infraestrutura, condições ambientais, entre outros.
A evidência de que todos os requisitos da ABNT NBR ISO/IEC 17025 são atendidos por um laboratório pode ser confirmada por um organismo acreditador, tal como a Cgcre – Coordenação Geral de Acreditação do Inmetro que, após avaliação, permite ao laboratório a emissão de selo de acreditação (figura 2) para seu escopo de acreditação. Inevitavelmente, a rastreabilidade metrológica também é evidenciada neste processo.
Aplicação da rastreabilidade metrológica em tensão DC
A cadeia de rastreabilidade metrológica apresentada na figura 1 é bastante simplificada e não demonstra detalhadamente como se aplica para uma medida específica. Portanto, para melhor entendimento, abordaremos a cadeia de rastreabilidade aplicada em tensão DC pelo Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT, e partiremos de uma calibração usual das faixas de tensão do mostrador digital de um medidor de potência de RF, seguindo as etapas da pirâmide da figura 3.
Nível 1 – Calibração das faixas de tensão DC de um medidor de potência de RF (figura 4)
Esta calibração consiste na comparação dos valores de tensão DC medidos pelo medidor de potência de RF com os valores gerador pelo calibrador de escalas padrão.
Nível 2 – Calibração do calibrador de escalas padrão
Neste processo, utiliza-se um multímetro de 8 ½ dígitos (figura 5) para efetuar uma calibração direta, comparando os valores gerados pelo calibrador de escalas padrão com os valores medidos pelo multímetro padrão.
Nível 3 – Calibração do multímetro 8 ½ dígitos (figura 6)
Um dos métodos possíveis nesta calibração é por meio uso de uma pilha padrão em conjunto com um divisor de tensão, necessário para caracterização completa das faixas de tensão DC, já que as pilhas possuem apenas saídas fixas de 1,018 V e 10 V, e de outro multímetro como padrão de transferência.
Nível 4 – Calibração da pilha padrão
O Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT não possui o padrão necessário para garantir a rastreabilidade metrológica da pilha padrão. Portanto, a pilha é enviada periodicamente para calibração no Inmetro que é o Laboratório Nacional de Metrologia do Brasil. Este laboratório segue a realização prática do volt, de acordo com o SI – Sistema Internacional de Unidades, que envolve a constante universal relacionada ao efeito Josephson.
Do topo da cadeia até a base, as incertezas expandidas de medição são propagadas seguindo o Guia para a Expressão da Incerteza de Medição, e, em cada etapa, o nível mais alto se torna componente de incerteza para o nível mais baixo na pirâmide da figura 3. Como uma matrioska (figura 7), cada etapa da rastreabilidade é incorporada na incerteza da etapa seguinte, garantindo, por meio da adequada quantificação, a confiabilidade metrológica de cada medida realizada.
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT; INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL – INMETRO. Guia para a Expressão da Incerteza de Medição. 1. ed. Rio de Janeiro: ABNT/INMETRO, 2008.
FALCÃO BAUER. Calibração, rastreabilidade metrológica e os produtos que usamos no dia a dia. Disponível em: https://www.falcaobauer.com.br/calibracao-rastreabilidade-metrologica-e-os-produtos-que-usamos-no-dia-a-dia/. Acesso em: 6 nov. 2024.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. ABNT NBR ISO/IEC 17025:2017 – Requisitos gerais para a competência de laboratórios de ensaio e calibração. Rio de Janeiro: ABNT, 2017.
INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL – INMETRO. Consulta de Laboratórios Acreditados. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/laboratorios/rbc/consulta.asp. Acesso em: 6 nov. 2024.
Ednaldo de Araujo Cruz Correia possui graduação em Sistemas Elétricos, pelo Instituto Federal de São Paulo. Pertence ao quadro de colaboradores do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo como técnico especializado no Laboratório de Metrologia Elétrica há mais de 12 anos. Possui experiência em calibração de equipamentos elétricos especialidade em equipamentos de alta exatidão.
ednaldoc@ipt.br.
Adriely Caroline Borges de Souza é técnica em Eletrônica (IFPA) pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará. Atuação na área de Metrologia e de Instrumentação Industrial, há 4 anos e meio. Experiência em atendimento ao cliente (instalações do setor fabril), experiência em atuação intra laboratorial, com base na ISO 17025 e SGQ ISO 9001. adrisouza@ipt.br.
Karen Isabelle Lima Vieira é graduanda em Ciência e Tecnologia pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e estagiária no Laboratório de Metrologia Elétrica do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. Atua na área de metrologia, com foco no suporte e execução de atividades relacionadas à calibração de instrumentos elétricos. karenvieira@ipt.br.
Fabrício Gonçalves Torres é físico, mestre em Processos Industriais e responsável pela área de Alta Frequência e Telecomunicações do Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT. Possui 18 anos de experiência em metrologia e realiza auditorias, consultorias e treinamentos na área de qualidade, metrologia e instrumentação.
fabrigt@ipt.br; www.linkedin.com/in/fabriciogt.