Brasil e o jogo dos sete erros que impede seu crescimento tecnológico
Prof.ª e Dra. Alessandra Montini
Depois de muito debate e uma certa hesitação, o Brasil iniciou em 2022 a implementação da conexão 5G, com maior velocidade e menor latência. Contudo, tal novidade acontece em conta-gotas: a expectativa é que cidades com mais de 30 mil habitantes só tenham acesso a essa tecnologia em 2029. A questão é que em 2030 a China promete disponibilizar comercialmente a conexão 6G para o mundo. Ou seja, menos de um ano depois de finalmente consolidar o 5G em grande parte de seu território, o Brasil já estará defasado em relação ao que há de melhor em tendências tecnológicas.
Esta é apenas mais uma entre tantas situações que exemplificam nosso atraso tecnológico. Não preciso ser um especialista na área para saber que o Brasil ainda está muito atrás quando o assunto é evolução da tecnologia. Qualquer pessoa com condições de viajar ao exterior em países mais desenvolvidos irá encontrar novidades que levarão tempo para chegar até nós – e, normalmente, em condições pouco atraentes ou acessíveis.
Pouco a pouco estamos melhorando nossa condição. Previsão do IDC para o mercado TIC no país mostra um crescimento de 5%, chegando a US$ 80 bilhões. Nos últimos anos, mesmo em um cenário de recessão global provocada pela pandemia de Covid-19, houve um aumento substancial no setor, que colocou o Brasil como 11º mercado no mundo.
Mesmo assim, fica aquele sentimento de que poderíamos estar em melhor situação – ainda mais se olharmos para exemplos bem-sucedidos, como Índia e Coreia do Sul. Os dois países conviviam com a miséria e pobreza na metade do século 20, mas viraram o jogo a partir do investimento maciço em inovação e tecnologia. Em 1980, segundo dados do Banco Mundial, eles possuíam um PIB inferior ao registrado pelo Brasil. Quarenta anos depois, somos nós que estamos atrás deles.
O que impede o Brasil de chegar a este patamar é uma série de erros que se repetem ao longo dos anos, atrapalhando o país atingir seu verdadeiro potencial. O mercado brasileiro de tecnologia é semelhante àquele famoso jogo dos sete erros, em que a imagem reproduzida aqui é parecida com a praticada lá fora, mas com pequenas falhas que minam o pleno desenvolvimento. É dever de empresas, profissionais e poder público identificá-las e corrigi-las. Confira quais são os principais problemas que atrapalham o nosso crescimento tecnológico:
1 – Pouco investimento no setor
Sim, o mercado de TIC está em alta no Brasil, mas o percentual ainda é aquém do que é investido em outros países. Relatório do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em 2022, o país investiu em 2019 o equivalente a 1,2% do PIB na área. Parece muito, mas países mais desenvolvidos chegam a destinar quase 5%, como Israel (4,93%) e Coreia do Sul (4,64%). Não há segredo aqui: quanto maior investimento, mais fácil pensar e produzir inovação.
2 – Políticas públicas inconsistentes
É inegável o papel do poder público no incentivo ao crescimento tecnológico. No Brasil, contudo, faltam políticas públicas capazes de sustentar o avanço desse setor. Nota técnica do IPEA em 2021 mostrava um declínio perigoso no orçamento federal destinado à Ciência & Tecnologia: de R$ 19 bilhões em 2009 para R$ 17,2 bilhões em 2020. Aliado a isso há a instabilidade de programas que são extintos ou suspensos em pouco tempo de funcionamento, como o Ciência sem Fronteiras.
3 – Crises constantes na esfera política
A ausência de políticas públicas firmes leva a um terceiro problema comum às empresas e aos profissionais aqui no Brasil: as constantes crises políticas. Nos últimos 35 anos o país viu dois presidentes sofrerem impeachment, escândalos de corrupção que abalaram o Poder Legislativo e Executivo, além de trocas de comando em ministérios e secretarias. Evidente que tamanha instabilidade atrapalha a elaboração de projetos a longo prazo para o setor.
4 – Pesquisa & Desenvolvimento
O investimento em P&D é uma etapa fundamental para o crescimento tecnológico. Porém, aqui no Brasil um relatório do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação indica recuo de 8,2% no investimento da área em 2020. Já o percentual médio que as empresas destinam de suas receitas à pesquisa e desenvolvimento está em torno de 2%, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI) – um índice que costuma dobrar em países desenvolvidos.
5 – Mão de obra escassa
Não bastasse isso, falta mão de obra qualificada no Brasil para atender a demanda do setor de tecnologia e inovação. Projeção da Brasscom – Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação mostra um déficit anual de 106 mil profissionais, que pode chegar a 530 mil até 2026. Ou seja, todos os anos, há 106 mil postos de trabalho não preenchidos de forma adequada por falta de profissionais especializados nas principais demandas do setor.
6 – Pouca cultura de inovação nas empresas
Falar em inovação é bonito, mas aplicá-la na prática não é fácil. As empresas brasileiras demonstram pouca maturidade em relação a este tema. Consultoria ACE Cortex indica que nove em cada dez profissionais estão familiarizados com o tema, mas quase metade (46,2%) acredita que é preciso avançar no assunto em suas empresas. Sem um ambiente que propicie a busca por novas ideias, fica mais difícil desenvolver soluções realmente novas.
7 – Reticência à digitalização
A pandemia de Covid-19 acelerou a transformação digital das empresas brasileiras meio que a contragosto. Um estudo do Instituto FSB Pesquisa para a consultoria F5 Business Growth indica que, apesar de sete em cada dez líderes empresariais compreenderem a relevância da digitalização em 2022, apenas 37% se consideravam aptos a aplicá-la em suas companhias. Ou seja, ainda há certa resistência à adoção de soluções tecnológicas no dia a dia dos negócios.
A boa notícia é que, assim como o jogo passatempo, é possível identificar e reconhecer esses problemas para que, no futuro, eles não se repitam. Não é uma tarefa fácil, mas também não é impossível. Nos últimos anos conseguimos reverter o cenário de atraso tecnológico que possuíamos em relação às nações mais desenvolvidas. Com boa vontade entre todas as partes e, claro, muito trabalho, é viável tratar a tecnologia como ela é atualmente: uma condição indispensável para a vida humana.
Diretora do LABDATA-FIA, apaixonada por dados e pela arte de lecionar, Alessandra Montini tem muito orgulho de ter criado na FIA cinco laboratórios para as aulas de Big Data e inteligência Artificial. Possui mais de 20 anos de trajetória nas áreas de Data Mining, Big Data, Inteligência Artificial e Analytics.
Cientista de dados com carreira realizada na Universidade de São Paulo, Alessandra é graduada e mestra em estatística aplicada pelo IME-USP e doutora pela FEA-USP. Com muita dedicação, a profissional chegou ao cargo de professora e pesquisadora na FEA-USP, e já ganhou mais de 30 prêmios de excelência acadêmica pela FEA-USP e mais de 30 prêmios de excelência acadêmica como professora dos cursos de MBA da FIA. Orienta alunos de mestrado e de doutorado na FEA-USP. Membro do Conselho Curador da FIA, é coordenadora de grupos de pesquisa no CNPq, parecerista da FAPESP e colunista de grandes portais de tecnologia.