Computação quântica – De moedas girando a uma indústria trilionária
Mateus Karvat Camara, Aluno do bacharelado em ciência da computação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Imagine uma moeda girando. Ela é cara ou coroa? Não, não podemos encostar na moeda e fazê-la parar de girar. Enquanto ela ainda está girando, precisamos definir: ela é cara ou coroa? Parece uma pergunta difícil, não é? Mas a resposta está na mecânica quântica: a moeda está numa superposição de cara e coroa. Ela está, simultaneamente, nos estados de cara e de coroa. Somente ao encostar na moeda e fazê-la parar de girar é que colapsaremos esse estado de superposição para os conhecidos estados de cara ou coroa.
Agora imagine que podemos modificar o giro da moeda e aumentar a probabilidade de que ela resulte em cara quando o giro for interrompido, sem que essa modificação faça ela parar de girar. Além disso, imagine que temos duas moedas girando e uma delas sempre terá o resultado oposto da outra, não importa quantas vezes realizemos o experimento. Bem-vindo(a) ao estranho e fascinante mundo da Computação Quântica!
Talvez você já tenha adivinhado, mas nessa analogia a moeda representa um bit, a unidade básica de informação que pode assumir os estados de 0 ou 1. Mas na analogia, a moeda girando representa um bit quântico, também chamado de qubit.
Assim como na analogia, um qubit só mantém seu estado de superposição enquanto não sofre nenhuma interferência externa. Quando queremos saber o estado do qubit, realizamos uma medição, a qual o faz colapsar para um estado clássico, no qual podemos definir, com certeza, se ele está no estado 0 ou 1.
No estado de superposição, o qubit pode ser modificado, aumentando a probabilidade de que determinado resultado ocorra. Na computação que conhecemos, modificações em bits são realizadas – em nível de hardware – por portas lógicas, o que também é verdade na quântica.
Diferentes portas lógicas quânticas realizam diferentes operações sobre qubits, alterando seus estados para que operações complexas possam ser realizadas. A famosa porta lógica NOT, por exemplo, tem uma equivalente quântica, a porta X, que também é chamada de porta NOT quântica.
Isso tudo fica ainda mais interessante quando pensamos em várias moedas girando simultaneamente. Quando temos múltiplos qubits, podemos provocar um estado conhecido como entrelaçamento, no qual dois qubits têm uma correlação entre seus estados mais forte que qualquer coisa existente no mundo clássico – ou seja, no mundo não-quântico.
Em uma dentre as várias possibilidades existentes para o entrelaçamento de dois qubits, pense em um qubit que sempre exibirá o mesmo resultado que outro qubit ao ser medido. Mesmo estes qubits estando, individualmente, em estado de superposição de 0 e 1 – caso o primeiro seja medido e resulte em 0 – podemos ter total certeza de que o segundo qubit também resultará em 0.
Os qubits entrelaçados podem até mesmo estar fisicamente distantes, e ainda assim, a medição de um terá sempre o mesmo resultado que a medição do outro.
E se juntarmos tudo isso para criar algoritmos? Todas essas propriedades únicas da mecânica quântica permitem que computadores quânticos realizem façanhas impensáveis para os computadores tradicionais. Considere, por exemplo, o estado de superposição.
Se tivermos 10 qubits, podemos realizar operações sobre eles utilizando portas lógicas quânticas e ter, ao final, todas as 1024 possíveis respostas num estado simultâneo de superposição. Isso é chamado de paralelismo quântico e ele se torna muito mais interessante quando pensamos em um número maior de qubits.
Com apenas 50 qubits, podemos realizar o conjunto de operações uma única vez e obter uma superposição das cerca de 1,12 quadrilhão de respostas possíveis. Como se isso já não fosse surpreendente por si só, já há provas matemáticas de que computadores quânticos são (em teoria) capazes de fazer operações que mesmo os melhores supercomputadores existentes levariam centenas de anos para realizar.
Todo esse potencial explica porque tanta atenção está sendo dada mundialmente à computação quântica. Seu potencial é imenso e a criação de um computador quântico prático representaria um salto em todas áreas do conhecimento e setores da economia, que iriam se beneficiar de um poder computacional exponencialmente maior do que qualquer coisa existente até então.
Criptografia, setor financeiro, farmácia, química, exploração espacial e inteligência artificial são apenas alguns dos campos que seriam profundamente impactados. Bilhões de dólares estão sendo investidos mundialmente por gigantes da tecnologia como IBM, Google e Microsoft, mas também por universidades e agências governamentais, como o Pentágono americano.
A previsão é que em 2035 o setor alcance um valor de mercado de US$ 1 trilhão. Mas nem tudo são flores e a instabilidade dos qubits ainda é uma barreira enorme a ser ultrapassada. Para que o estado de superposição seja mantido, o qubit deve ser isolado de interferências externas indesejáveis, o que não é um processo simples nem barato.
A tecnologia mais utilizada atualmente para construir computadores quânticos requer que os qubits estejam a uma temperatura de 0,015 Kelvin. Isso representa -273,135ºC, uma temperatura inferior às regiões mais frias do universo conhecido.
Mesmo a uma temperatura tão baixa, o tempo que qubits se mantém estáveis ainda é inferior a 1 segundo. Além disso, as portas lógicas quânticas são extremamente suscetíveis a ruídos, modificando as respostas de suas operações e não garantindo que as respostas obtidas estejam 100% corretas.
Ainda que o hype da computação quântica esteja elevado, pode-se dizer que ela ainda está numa fase a das válvulas e tubos de vácuo da computação tradicional. Logo, ainda levaremos algumas décadas até termos computadores quânticos impactando diretamente nosso dia a dia. Mas, assim como computadores tradicionais revolucionaram o mundo, tudo indica que os computadores quânticos também o farão. E você, está preparado para esta revolução?
Aluno do bacharel em Ciência da Computação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Cascavel, Mateus Karvat Camara realizou iniciação científica na área de Computação Quântica sob orientação da Professora Adriana Postal. O trabalho realizado foi apresentado em quatro eventos científicos distintos e publicado em periódico acadêmico da área. Atualmente, Mateus realiza pesquisa na área de deep learning aplicado a reconhecimento de vídeos. Como bolsista pelo grupo PETComp, Camara também desenvolve projetos de ensino e extensão.