Desigualdade digital: O papel da IA na redução ou ampliação das diferenças sociais
Prof.ª e Dra. Alessandra Montini
Neste século, a desigualdade digital se tornou uma das principais preocupações globais, acentuando as disparidades sociais e econômicas. No Brasil, 36 milhões de pessoas não têm acesso à internet, o dado é da pesquisa TIC Domicílios de 2022. A região Sudeste possui o maior número de pessoas sem internet, com 42%, já a região Nordeste aparece em segundo lugar com 28% dos casos. Ainda segundo o levantamento, pessoas com 60 anos ou mais e pessoas negras são os maiores percentuais sem acesso à internet no país.
Com os avanços na IA – inteligência artificial, surge um dilema: essa tecnologia pode ajudar a reduzir essas desigualdades ou, ao contrário, ampliá-las ainda mais? A resposta para essa pergunta é complexa e depende de vários fatores, incluindo a implementação, o acesso, a regulação e as políticas de inclusão tecnológica.
Por um lado, a IA pode democratizar a educação ao fornecer ferramentas de aprendizado personalizadas que se adaptam às necessidades individuais dos alunos. Plataformas educacionais baseadas em IA permitem que estudantes em regiões desfavorecidas tenham acesso a recursos educativos de alta qualidade, mesmo na ausência de professores qualificados. Isso pode nivelar o campo de jogo, oferecendo oportunidades iguais de aprendizado e desenvolvimento.
No setor de saúde, a IA pode melhorar tanto o acesso quanto a qualidade dos serviços médicos. Ferramentas de diagnóstico baseadas em IA auxiliam médicos em áreas remotas a diagnosticar doenças com precisão, diminuindo a desigualdade no acesso a cuidados médicos. Além disso, chatbots e assistentes virtuais podem oferecer informações e suporte médico básico, ajudando comunidades carentes a superar barreiras de acesso.
A IA também pode promover a inclusão financeira, oferecendo acesso a serviços bancários e de crédito para populações não atendidas. Algoritmos de crédito baseados em IA podem avaliar a capacidade de crédito de indivíduos sem histórico bancário, permitindo que mais pessoas tenham acesso a empréstimos e serviços financeiros. As fintechs já estão utilizando IA para estender crédito a empreendedores em países em desenvolvimento, fomentando o crescimento econômico inclusivo.
No entanto, nem tudo são flores. Embora a IA tenha o potencial de reduzir a desigualdade, ela também pode ampliá-la se o acesso à tecnologia continuar desigual. As inovações em IA tendem a ser implementadas primeiro em regiões mais ricas e tecnologicamente avançadas, deixando as populações de países em desenvolvimento ainda mais atrás. A falta de infraestrutura tecnológica adequada impede que muitas comunidades tirem proveito das ferramentas baseadas em IA.
A automação impulsionada pela IA pode levar ao desemprego, especialmente em setores que empregam trabalhadores com baixa qualificação. A substituição de trabalhos manuais e rotineiros por máquinas inteligentes pode agravar a desigualdade, deslocando trabalhadores que já são economicamente vulneráveis. A transição para uma economia digital exige políticas robustas de requalificação e treinamento, muitas vezes ausentes em países com recursos limitados.
Outro ponto importante é que os algoritmos de IA podem perpetuar e até amplificar preconceitos existentes se não forem projetados e treinados de forma adequada. Casos de viés algorítmico em sistemas de recrutamento, crédito e justiça criminal são bem documentados. Esses vieses podem reforçar discriminações sistêmicas, exacerbando a desigualdade.
Caminhos para um futuro mais igualitário
Para garantir que a IA seja uma força para a redução da desigualdade, são necessárias intervenções políticas e sociais deliberadas. Governos, empresas e organizações da sociedade civil devem colaborar para desenvolver infraestrutura tecnológica inclusiva, promovendo acesso equitativo à internet e dispositivos digitais. Além disso, é fundamental investir em educação digital para capacitar todas as camadas da sociedade a utilizar e se beneficiar das tecnologias emergentes.
A regulação da IA deve incluir diretrizes para evitar o viés algorítmico e garantir a transparência dos sistemas. Políticas de proteção social devem ser implementadas para mitigar os impactos do desemprego tecnológico, com programas de requalificação e apoio à transição para novos empregos no setor digital.
Apenas dessa maneira será possível promover um futuro em que a tecnologia serve a todos, sem deixar ninguém para trás.
Diretora do LABDATA-FIA, apaixonada por dados e pela arte de lecionar, Alessandra Montini tem muito orgulho de ter criado na FIA cinco laboratórios para as aulas de Big Data e inteligência Artificial. Possui mais de 20 anos de trajetória nas áreas de Data Mining, Big Data, Inteligência Artificial e Analytics.
Cientista de dados com carreira realizada na Universidade de São Paulo, Alessandra é graduada e mestra em estatística aplicada pelo IME-USP e doutora pela FEA-USP. Com muita dedicação, a profissional chegou ao cargo de professora e pesquisadora na FEA-USP, e já ganhou mais de 30 prêmios de excelência acadêmica pela FEA-USP e mais de 30 prêmios de excelência acadêmica como professora dos cursos de MBA da FIA. Orienta alunos de mestrado e de doutorado na FEA-USP. Membro do Conselho Curador da FIA, é coordenadora de grupos de pesquisa no CNPq, parecerista da FAPESP e colunista de grandes portais de tecnologia.