Fundamentos do osciloscópio
O osciloscópio é um instrumento de medição muito utilizado em diversas áreas, inclusive nas telecomunicações, devido, principalmente, a sua versatilidade. Neste artigo, apresentamos uma breve descrição do princípio de funcionamento e suas principais características, que devem ser consideradas pelo usuário. Abordamos também os parâmetros mais comuns presentes na calibração de um osciloscópio.
Fabrício Gonçalves Torres, pesquisador do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo e Tiago Lopes Santos, técnico especializado do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
Entre todos os instrumentos de medição disponíveis, o osciloscópio segue sendo um dos mais utilizados. E não é à toa, já que este instrumento pode ser usado em amplas finalidades devido à sua versatilidade.
A variedade de áreas em que um osciloscópio é utilizado é enorme, podendo-se destacar o uso por concessionárias de energia para avaliação da qualidade de energia elétrica; na indústria civil, como no estudo de estruturas ou predição de tremores de terra; ou na área da saúde, tal como no uso de monitores de eletrocardiograma, que, nada mais é do que um osciloscópio dedicado para as medidas dos batimentos cardíacos.
Um osciloscópio, basicamente, é um instrumento de medição que permite obter informação de um sinal no domínio do tempo, por exemplo, amplitude, frequência e período (figura 1). Embora o tipo de sinal mais comum seja o elétrico, na prática, é possível obter a medida de qualquer grandeza por meio do uso de um transdutor que esteja adequado ao seu propósito, e que possa convertê-la para um sinal elétrico.
Em telecomunicações, o osciloscópio desempenha um papel essencial, sendo necessário para avaliação de sinais digitais por meio de medidas dos parâmetros de um pulso digital (figura 2), ou por meio da análise de diagrama de olho. Essa análise permite verificar se o sinal digital está em conformidade com os parâmetros técnicos estabelecidos nas normas relacionadas à tecnologia específica do sinal analisado.
Hoje, quem busca adquirir um osciloscópio pode se deparar com uma infinidade de nomes e tipos diferentes, com diversas funcionalidades que são agregadas para simplificar o trabalho do usuário, mas também para aumentar o valor do produto. É comum encontrar em um único produto mais de um tipo de instrumento, tornando o osciloscópio apenas uma parte do que o produto oferece como um todo. Por questões didáticas, iremos apresentar o princípio de funcionamento do osciloscópio analógico, por permitir uma melhor compreensão, e do osciloscópio digital básico. Outros osciloscópios, tal como o de amostragem, possuem algumas diferenças significativas, mas não serão tratadas neste artigo.
Osciloscópio analógico
O osciloscópio analógico é um instrumento que tem sido substituído pelo digital há muitos anos, embora, ainda seja comum encontrarmos alguns deles sendo utilizados em diversos laboratórios. A compreensão do funcionamento de um osciloscópio analógico auxilia na compreensão de qualquer outro osciloscópio, já que seus princípios de funcionamento são parecidos.
Na figura 3, que apresenta o diagrama de blocos de um osciloscópio analógico, é possível destacar que há quatro sistemas principais: sistema vertical, horizontal, trigger e da tela (display).
O sistema vertical, composto por atenuadores e amplificadores, tem a função de adequar o tamanho do sinal a ser medido na tela do osciloscópio. Quando ajustamos o valor de V/DIV de um osciloscópio, estamos, na prática, atenuando ou amplificando o valor de tensão que iremos medir no eixo Y. Este nível de tensão controla a intensidade do campo elétrico das placas de deflexão vertical que, por sua vez, altera a direção dos elétrons que estão sendo ejetados pelo tubo de raios catódicos. Estes elétrons, ao incidir na tela do osciloscópio, ilumina o ponto incidido.
O sistema horizontal é o sistema responsável por controlar o tempo cujo sinal será apresentado na tela. Para isso, o instrumento possui um gerador com forma de onda tipo “dente-de-serra” que é usado para controlar a intensidade do campo elétrico das placas de deflexão horizontal (o eixo X). Quando alteramos a faixa de s/DIV, por exemplo, estamos, basicamente, alterando o tempo de subida da rampa dente-de-serra e, portanto, tornando o tempo de varredura na tela do osciloscópio mais rápido ou devagar.
Dificilmente, o sinal a ser medido estará em sincronia com a frequência do sinal “dente-de-serra” do sistema horizontal. E quando não há sincronismo, a cada varredura, um sinal deslocado no tempo é apresentado na tela, dando a sensação de que o sinal fica se movendo o tempo todo e impossibilitando a realização das medidas.
Para que isso não ocorra, existe o sistema de gatilho (trigger). Este sistema é composto por um comparador, e tem a finalidade de comparar o nível de tensão ajustado pelo usuário, através de cursores apropriados, e o nível de tensão do sinal a ser medido, que é entregue pelo sistema vertical do osciloscópio. Quando ambos os níveis são iguais, o trigger aciona o sistema horizontal para iniciar a varredura através do “dente-de-serra”. Portanto, cada ciclo do “dente-de-serra” somente é iniciado quando os níveis de tensão comparados pelo sistema de trigger são iguais. Além disso, o usuário pode decidir se o início da varredura do “dente-de-serra” se dá na “subida” ou na “descida” do trigger, ou seja, se a igualdade das tensões se faz na inclinação positiva (subida) ou na inclinação negativa (descida).
Osciloscópio digital
Muito do que foi dito para o osciloscópio analógico também serve para o osciloscópio digital, já que os princípios de funcionamento dos sistemas citados (vertical, horizontal e trigger) são muito parecidos (figura 4).
A grande diferença é que um osciloscópio digital possui uma etapa de digitalização e processamento do sinal. Após a etapa de atenuação e amplificação, um conversor analógico/digital (ADC) amostra o sinal e codifica o nível de tensão de acordo com a resolução em bits do osciloscópio. Cada amostra obtida é armazenada na memória do instrumento até o término da amostragem, que é determinada pelo tamanho do registro (record length).
O sistema horizontal é composto por um relógio que determina a taxa de amostragem em que o sinal será amostrado (sample rate). Após finalizar toda a amostragem, o osciloscópio reconstrói a forma de onda na tela. Os pontos reconstruídos podem ser interpolados para facilitar a visualização da forma de onda. Alguns tipos de interpolação são disponibilizados para o usuário, tais como: linear ou sen(X)/X.
O osciloscópio digital permite que o usuário possa realizar diferentes tipos de medidas de forma automática, facilitando muito a análise de um sinal. Além disso, alguns instrumentos permitem a análise também no domínio da frequência, por meio do uso de técnicas de transformada rápida de Fourier (FFT).
Principais características de um osciloscópio
Ao adquirir um osciloscópio, é necessário que o usuário fique atento às características a seguir, e avalie o custo-benefício a partir das suas necessidades.
• Largura de banda (Analog bandwidth): é um parâmetro essencial que indica a capacidade básica do osciloscópio em realizar medições de sinais. À medida que a frequência do sinal aumenta, a habilidade do osciloscópio em efetuar essas medições é reduzida. A largura de banda é determinada pela frequência na qual um sinal senoidal de entrada é atenuado em 3 dB (70,7 %) de sua amplitude original. Dependendo da aplicação, é recomendável que a largura de banda de um osciloscópio seja, pelo menos, cinco vezes maior do que a maior frequência do sinal digital a ser medido.
• Ganho DC (Gain DC): exatidão especificada para medidas de tensão contínua, podendo ser considerada também em frequências baixas.
• Exatidão horizontal (Horizontal Accuracy): exatidão especificada para medidas de tempo. Usualmente, considera-se a exatidão da base de tempo do instrumento.
• Taxa de amostragem (Sample Rate): indica quantas amostras são adquiridas por segundo por um osciloscópio digital. Quanto maior a taxa de amostragem, mais detalhado o sinal é reconstruído na tela (menos perda de informação).
• Resolução do conversor A/D (Vertical Resolution): indica a resolução, em bits, do conversor Analógico/Digital. Define a qualidade com que sinais analógicos são convertidos em digitais.
• Comprimento do registro (Record Length): indica quantos pontos do sinal são armazenados pelo osciloscópio digital. O comprimento máximo depende do tamanho disponível de memória do osciloscópio.
Algumas das especificações mencionadas contribuem significativamente com o preço de um osciloscópio e, nem sempre, geram ganhos importantes para o usuário. Portanto, é importante que o usuário saiba previamente o tipo de sinal de que ele necessita efetuar a medida antes da aquisição do instrumento. Algumas perguntas básicas auxiliam na tomada de decisão, tais como as apresentadas na tabela 1 a seguir, que relaciona a necessidade com as especificações do osciloscópio.
Tab. 1 – Relação entre necessidade / especificação de um osciloscópio.
Necessidade | Especificação relacionada |
Qual a frequência máxima do sinal que vou medir? | Largura de banda (Analog Bandwidth) |
Preciso medir transientes? |
Largura de banda (Analog Bandwidth) Taxa de amostragem (Sample Rate) |
Preciso medir o nível com boa exatidão? |
Ganho DC (Gain DC) Resolução do conversor A/D (Vertical Resolution)
|
Preciso medir tempo / frequência com boa exatidão? | Exatidão horizontal (Horizontal Accuracy) |
Preciso medir sinais complexos / não periódicos? |
Taxa de amostragem (Sample Rate) Comprimento do registro (Record Length) |
Calibração de um osciloscópio
A calibração de um osciloscópio, assim como a de qualquer outro instrumento de medição, é essencial para garantir a confiabilidade metrológica e a exatidão das medidas. A análise dos resultados de uma calibração é fundamental para a garantia da qualidade no processo produtivo em que o instrumento é utilizado. Além disso, auxilia a detectar e corrigir problemas ou desvios no funcionamento do osciloscópio, contribuindo para sua durabilidade e eficiência.
Geralmente, a calibração de um osciloscópio envolve a calibração dos seguintes parâmetros:
• Eixo vertical: varrendo-se as faixas de tensão (V/DIV) de todos os canais do osciloscópio. Usualmente, é realizada numa frequência baixa (1 kHz, por exemplo).
• Eixo horizontal: varrendo-se as faixas do eixo de tempo (s/DIV) de um dos canais do osciloscópio. Opcionalmente, é possível avaliar a medida do eixo do tempo por meio da calibração da saída da base de tempo do instrumento.
• Resposta em frequência: calibração da largura de banda (bandwidth) do osciloscópio. Normalmente, é realizada a medida da atenuação do instrumento na sua frequência máxima (Analog Bandwidth).
• Sinal de calibração interno: calibração em nível e frequência do sinal gerado pelo próprio osciloscópio. Este sinal é utilizado para rotinas de autoajuste do instrumento ou para a checagem da medida, que pode ser realizada pelo próprio usuário.
É importante ressaltar que o usuário deve analisar criteriosamente como seu instrumento de medição deve ser calibrado, levando em conta a sua forma de utilização. Essa análise pode permitir otimizar o número de pontos de uma calibração, ou mesmo resultar na necessidade de uma calibração especial. Se houver dúvidas no que se deve calibrar, é recomendável buscar auxílio de um metrologista.
Fabrício Gonçalves Torres é físico, mestre em Processos Industriais e responsável pela área de Alta Frequência e Telecomunicações do Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT. Possui mais de 17 anos de experiência em metrologia e realiza auditorias, consultorias e treinamentos na área de qualidade, metrologia e instrumentação.
fabrigt@ipt.br
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Tiago Lopes Santos é técnico em Telecomunicações, bacharel em Ciência e Tecnologia e técnico do Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT. Possui mais de 14 anos de experiência em metrologia, atuando como signatário autorizado (RBC – CGCRE) das áreas de Alta Frequência e Telecomunicações, Tempo e Frequência e Eletricidade & Magnetismo.
tglopes@ipt.br