Impactos climáticos na operação de laboratórios de metrologia
Este artigo aborda a crescente influência das mudanças climáticas sobre as operações de laboratórios de ensaio e calibração, destacando a importância de uma gestão de riscos eficaz para mitigar seus impactos. As condições climáticas extremas, como temperaturas elevadas e baixa umidade, afetam diretamente os processos laboratoriais, especialmente no que diz respeito à precisão de instrumentos sensíveis. A partir de recomendações práticas, o artigo propõe estratégias para minimizar riscos operacionais. Além disso, discute a relevância de incorporar as mudanças climáticas nos sistemas de gestão organizacional, conforme indicado pelas revisões das normas ISO, que agora integram a necessidade de considerar os efeitos climáticos nas operações.
Fabrício Gonçalves Torres, pesquisador do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
O mês de setembro de 2024 foi caracterizado por anomalias climáticas significativas no Brasil, marcadas por um aumento expressivo das temperaturas em diversos estados e uma baixa ocorrência de precipitações, excetuando-se as regiões do sul do país. Na região Sudeste, particularmente na cidade de São Paulo, observou-se uma redução acentuada da umidade relativa do ar, com valores registrados abaixo de 15%. Este mês estabeleceu um novo recorde histórico de temperatura para os meses de setembro, segundo dados do Inmet – Instituto Nacional de Meteorologia, evidenciando os efeitos persistentes das mudanças climáticas sobre as condições ambientais da região (figura 1).
Diante da crescente evidência de que as mudanças climáticas são uma realidade incontestável, o IAF – International Accreditation Forum e a ISO – International Organization for Standardization emitiram um comunicado conjunto destacando a importância de considerar os efeitos desse fenômeno nas questões internas e externas que possam influenciar a eficácia dos sistemas de gestão organizacional. O objetivo do comunicado foi enfatizar que diversas normas ISO (conforme indicado na tabela I) serão revisadas por meio de emendas, visando integrar a necessidade de as organizações incorporarem os impactos das mudanças climáticas em seus respectivos sistemas de gestão.
Tab. I – Normas de sistema de gestão que terão emendas sobre mudanças climáticas. (Fonte: DC-0622_24 – ABNT)
ISO 9001: 2015 | Sistemas de gestão da qualidade — Requisitos |
ISO 14001:2015 | Sistemas de gestão ambiental — Requisitos com orientações para uso |
ISO 45001:2018 | Sistemas de gestão de saúde e segurança ocupacional — Requisitos com orientações para uso |
ISO 21101:2014 | Turismo de aventura — Sistemas de gestão de segurança — Requisitos |
ISO / IEC 27001:2022 | Segurança da informação, cibersegurança e proteção da privacidade — Sistemas de gestão da segurança da informação — Requisitos |
ISO 14298:2021 | Tecnologia gráfica — Gestão de processos de impressão de segurança |
ISO 37101:2016 | Desenvolvimento sustentável nas comunidades — Sistema de gestão para o desenvolvimento sustentável — Requisitos com orientação para uso |
ISO 37001:2016 | Sistemas de gestão antissuborno — Requisitos com orientação para uso |
ISO 37301:2021 | Sistemas de gestão de conformidade — Requisitos com orientação para uso |
ISO 39001:2012 | Sistemas de gestão da segurança rodoviária (RTS) — Requisitos com orientações para utilização |
ISO 22000:2018 | Sistemas de gestão da segurança alimentar — Requisitos para qualquer organização da cadeia alimentar |
ISO 50001:2018 | Sistemas de gestão de energia — Requisitos com orientações para uso |
ISO / IEC 20000 1:2018 | Tecnologia da informação — Gestão de serviços — Parte 1: Requisitos do sistema de gestão de serviços |
ISO 21001:2018 | Organizações educacionais — Sistemas de gestão para organizações educacionais — Requisitos com orientação para uso |
Uma abordagem eficaz para mitigar o impacto das mudanças climáticas no processo produtivo das organizações é a implementação de uma gestão adequada dos riscos associados a esses fenômenos. Tal gestão permite a identificação, avaliação e mitigação sistemática dos efeitos adversos que as alterações climáticas podem ocasionar nas operações empresariais, promovendo maior resiliência organizacional.
Recomendações para minimizar os efeitos ambientais em laboratórios de ensaio e calibração
Um exemplo prático pode ser observado na semana mais crítica de setembro, na cidade de São Paulo, quando as temperaturas atingiram níveis elevados e a umidade relativa do ar estava excepcionalmente baixa. No Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas, identificou-se que um sensor de potência de RF – radiofrequência pertencente a um cliente apresentava avarias. Embora o instrumento estivesse operacional nas dependências do cliente, verificou-se a possibilidade de que o dano tenha ocorrido durante o transporte entre o cliente e o Instituto, possivelmente em decorrência de uma descarga eletrostática, visto que o instrumento estava inadequadamente embalado, utilizando apenas plástico-bolha.
Esse incidente ressalta a importância de reavaliar os procedimentos operacionais à luz das mudanças climáticas, uma vez que essas alterações têm impacto direto na rotina dos profissionais que atuam com instrumentos de medição de alta precisão. A seguir, apresentam-se algumas recomendações que podem ser integradas à gestão de riscos de laboratórios que lidam com instrumentos de medição:
- Adequação da infraestrutura de controle térmico. Em condições de temperatura elevada, é fundamental que o laboratório disponha de sistemas de ar condicionado com capacidade aumentada. No entanto, tal medida implica um acréscimo no consumo energético. Portanto, alternativas como a redistribuição da carga térmica e o uso de materiais isolantes em telhados e paredes devem ser consideradas como formas de mitigar esse aumento de consumo.
- Prevenção contra descargas eletrostáticas. Baixos níveis de umidade aumentam consideravelmente o risco de descargas eletrostáticas, que podem comprometer a integridade de dispositivos sensíveis. Assim, torna-se imperativo reforçar a atenção no manuseio, armazenamento e transporte de instrumentos susceptíveis a esse tipo de interferência. O uso de embalagens antiestáticas é essencial para o armazenamento e transporte desses equipamentos.
- Planejamento com base em previsões meteorológicas. Manter-se informado sobre as condições climáticas previstas para os dias subsequentes pode ser uma estratégia eficiente na tomada de decisões relacionadas ao transporte de instrumentos críticos ou à execução de serviços em campo.
- Consideração das condições ambientais nas medições. As variações ambientais, especialmente de temperatura, podem impactar diretamente a precisão das medições realizadas. A ocorrência de variações bruscas de temperatura pode resultar em erros significativos nas medições, o que demanda um planejamento rigoroso para minimizar esses impactos.
- Desenvolvimento de políticas de transporte seguro. Para além do uso de embalagens antiestáticas, é recomendável que laboratórios adotem procedimentos de transporte mais robustos, incluindo o uso de veículos com controle de temperatura e umidade, quando necessário. Garantir que as condições climáticas durante o transporte sejam adequadas reduz o risco de danos aos instrumentos.
- Treinamento contínuo da equipe. A capacitação dos profissionais que atuam no manuseio, armazenamento e transporte de instrumentos é essencial. Um treinamento contínuo e atualizado pode garantir que todos os colaboradores estejam cientes das melhores práticas e dos riscos envolvidos, especialmente em contextos de mudanças climáticas.
- Desenvolvimento de protocolos de resposta a emergências ambientais. Criar protocolos de contingência que possam ser acionados em emergências, como falhas no sistema de ar condicionado ou aumentos repentinos na umidade ou temperatura, ajuda a minimizar os riscos de danos aos instrumentos e assegurar a continuidade das operações do laboratório.
Em conclusão, o impacto das mudanças climáticas sobre as operações de laboratórios de ensaio e calibração, assim como sobre os sistemas de gestão das organizações, é uma realidade cada vez mais presente e inescapável. A variabilidade climática, expressa em eventos extremos de temperatura e umidade, impõe novos desafios que exigem uma adaptação sistemática e criteriosa, tanto no que se refere às infraestruturas laboratoriais quanto aos procedimentos de transporte, armazenamento e manuseio de instrumentos sensíveis.
A inclusão das questões climáticas nas normas ISO é uma clara evidência de que as organizações globais estão reconhecendo a necessidade de integrar essa nova variável em seus sistemas de gestão. A revisão dessas normas representa um passo crucial na construção de uma resiliência organizacional diante das mudanças climáticas, reforçando a necessidade de monitoramento contínuo das condições ambientais, treinamento adequado das equipes e implementação de tecnologias avançadas para proteção dos instrumentos e mitigação de riscos. Dessa forma, as organizações estarão mais preparadas para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas, minimizando os impactos em seus processos produtivos e assegurando a eficácia e a confiabilidade dos seus resultados.