ISPs são essenciais para o desenvolvimento da conectividade no campo
As distâncias dos grandes centros, que exigem altos investimentos para a instalação de estruturas necessárias para levar cabeamento e conexão ao interior do país, onde predomina a atividade agropecuária, contribuem para a indicação das pequenas e médias operadoras nessas regiões.
Ariane Guerreiro, colaboradora da Infra News Telecom
Entre os mais importantes setores econômicos brasileiros, o agronegócio tem participação fundamental no PIB – Produto Interno Bruto nacional. A produtividade do setor foi especialmente incrementada com a chegada da tecnologia no campo, mas o que se observa é um potencial ainda maior com o crescimento do 5G de ponta a ponta no Brasil.
Uma das principais expectativas com o 5G é levar o sinal de Internet aos locais mais remotos, indispensável para as mais variadas aplicações de IoT – Internet das coisas, que beneficiarão os grandes produtores e também médias e pequenas propriedades que, em geral, têm mais dificuldade de acesso à conectividade.
Considerado uma das bases da economia brasileira, o agronegócio é responsável por alimentar cerca de 800 milhões de pessoas no mundo segundo estudo realizado pela Sire – Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa. O Cepea – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Esalq/USP, em parceria com a CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, estima que o agronegócio represente, em 2022, 25,5% no PIB brasileiro. Aumentar a competitividade deste setor, em todas as esferas do negócio, não é só primordial para o país, como uma oportunidade para o setor de telecom.
A maior rapidez e maior capacidade de transmissão de dados, baixíssima latência e possibilidade de conexão de inúmeros dispositivos na mesma unidade de área são características fundamentais para superar os desafios provocados pela grande extensão territorial do país.
A baixa densidade populacional nas áreas rurais é uma das razões que explicam o pouco interesse das grandes operadoras na oferta de serviços à população e às empresas desses meios. As distâncias dos grandes centros, que exigem altos investimentos para a instalação de estruturas necessárias para levar cabeamento e conexão ao interior do país (onde predomina a atividade agropecuária) contribuem para a indicação das pequenas e médias operadoras nessas regiões.
Nesse contexto, os provedores são considerados essenciais para o desenvolvimento da IoT no campo. De acordo com a Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 48% dos produtores rurais declaram que a falta de acesso à Internet é uma das principais dificuldades para acessar e usar as tecnologias digitais. “Esse quadro é justificado pela baixa penetração das redes celulares públicas nas áreas rurais”, destaca o gerente de marketing de produtos da Trópico, Armando Barbieri.
Atender às necessidades específicas desse setor e dos diferentes perfis de ruralistas será um papel importante dos provedores de Internet com atuação regional, integrados e com grande experiência nas características das localidades nas quais atuam.
O pesquisador da Embrapa Instrumentação, de São Carlos, SP, Ricardo Yassushi Inamasu, vai além. Para ele, o provedor é fundamental por informar às operadoras de telecomunicações sobre as oportunidades que esse setor da economia brasileira oferece para um crescimento em conjunto, não apenas no ponto de vista econômico, mas também social e ambiental.
O VP sales EuroAmerica, da BaiCells Technologies, Ricardo Pence, tem visão semelhante e considera que é do ISP o conhecimento que garante a cobertura e o suporte para as aplicações de missão crítica necessárias ao campo. “Muitos possuem a frequência na banda 38 (2570 a 2620 MHz), concedida no leilão de dezembro 2015, que é “ouro nas mãos” para garantir a cobertura para redes privativas em municípios, mesmo solicitando o uso da frequência em caráter secundário nas cidades”, explica.
Desafios em diferentes frentes
Atender às necessidades do agronegócio exige projetos complexos. Levar Internet ao campo não se limita a disponibilizar sinal de celular à sede das propriedades rurais. A IoT nesse setor abrange um amplo leque de aplicações, proporcionadas por redes sem fio capazes de cobrir toda a área produtiva para a conexão de sensores, atuadores, drones, tratores e máquinas agrícolas, veículos de apoio e comunicação entre pessoas por meio de voz, de imagem ou aplicativos.
Os desafios são diversos. O CEO do Grupo Datora, Tomas Fuchs, destaca a pouca informação e atenção em torno do assunto. “Falta sensibilização efetiva de agentes públicos e privados das cadeias produtivas do Agro para a importância da conectividade para o aumento de produção/produtividade, redução de custos de produção e de desigualdades regionais, além do aumento da proteção e preservação ambiental”, afirma.
Juntam-se a estes aspectos, as questões regulatórias, que inicialmente referem-se à cobertura de áreas urbanas e ao longo de rodovias federais, e os processos de sensoriamento e os sensores propriamente ditos também representam entraves para a expansão dos serviços em zonas de agropecuária.
As dificuldades passam, ainda, pela pouca infraestrutura de conectividade nas áreas mais remotas e pelos investimentos necessários para atender às demandas de comunicação do setor rural, que poderão exigir parcerias estratégicas, sejam elas públicas-privadas ou privadas-privadas.
Os custos são sempre um ponto sensível, ainda que sejam diluíveis ao longo do tempo. Segundo Barberi, da Trópico, redes em bandas não licenciadas, como o Wi-Fi, contam com equipamentos mais baratos devido à popularização da tecnologia, mas por trabalharem em frequências altas e com potência limitada, os raios de cobertura são pequenos, exigindo um número muito grande de torres e mastros. “Equipamentos usados em redes celulares são caros e ainda precisam de muitas torres com sistemas de energia e segurança perimetral, o que representa investimento de risco, sem contar as questões relativas ao licenciamento do espectro”, explica o executivo.
As diferentes tecnologias disponíveis têm relação direta na expansão da cobertura, em menor ou maior tempo, com mais ou menos recursos. E as necessidades são grandes. De acordo com o “Censo Agropecuário 2017”, do IBGE, cerca de 72% dos estabelecimentos agropecuários no Brasil estão ‘off-line’ e apenas 23% do espaço agrícola brasileiro possui algum nível de cobertura por Internet, segundo estudo “Cenários e Perspectivas da Conectividade para o Agro” desenvolvido pela Esalq/USP – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, encomendado pelo MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Para Fuchs, do Grupo Datora, neste setor nenhuma tecnologia de conectividade pode ser desprezada e a melhor será aquela disponível à determinada propriedade rural. A fibra óptica, no entanto, se apresenta como a melhor alternativa em termos de qualidade e tem seus custos de instalação em gradual redução, atendendo ao mercado de telecomunicações fixa e às redes 4G LTE sobre frequências privativas, responsáveis por conectar locais com baixa densidade de pontos e soluções móveis. “A fibra é o esqueleto necessário para conectar o ISP com o mundo e as empresas com os ISP”, acrescenta Pence, da BaiCells.
A abrangência da fibra óptica, porém, limita-se à sede da propriedade. Cobrir as áreas produtivas e de campo para aplicações de IoT exige redes sem fio. As MVNOs – redes virtuais móveis também são apontadas como uma alternativa para ampliar a cobertura de conexão de áreas rurais com segurança, independência e personalização às necessidades de cada estabelecimento agropecuário. “Com uma rede móvel privada, é possível implementar soluções de IoT, que precisam de conectividade para monitoramento em tempo real, contribuindo com a dinâmica do trabalho, gerando produtividade em alta escala e, consequentemente, crescimento nos negócios, no meio rural ou urbano”, afirma Fuchs, do Grupo Datora.
Outro exemplo são as redes dedicadas à IoT usando tecnologia LoRaWAN, que possuem custo razoável em relação à área coberta. “Porém, os dispositivos se comunicam apenas por mensagens curtas e, portanto, são inviáveis para aplicações que necessitem transferências de imagens, arquivos e vídeo, não atendendo à comunicação humana. Resumindo, atender simultaneamente grandes coberturas com grande capacidade é um desafio enorme”, diz Barbieri, da Trópico
Informação e tecnologia
Conectar o campo é um mercado potencial para os provedores de Internet e a cadeia de telecom. Segundo Pence, BaiCells, estatísticas demostram que, no Brasil, 10% dos domicílios são CNPJ e o ISP com menos de 10% de usuários CNPJ está perdendo mercado. “Os ISPs possuem a infraestrutura de backbone e backhaul necessária para o desenvolvimento das redes privativas. Só é necessário entender as excelentes soluções de IoT existentes no mercado e oferecer conexão a elas”, defende. “O grande desafio é construir um departamento de B2B dentro do ISP orientado ao atendimento de negócios”, afirma.
No que se refere à tecnologia, o Brasil acompanha as tendências e as novidades apresentadas no mercado mundial. Empresas atuantes no mercado nacional contam com soluções que favorecem o estabelecimento de conexão em diferentes áreas e, consequentemente, permitindo aplicações de IoT no agronegócio. A Embrapa faz a sua parte contribuindo com a construção de uma base de conhecimento tecnológico e científico pertinente à inovação e que possibilita o funcionamento de ferramentas de IoT, calcadas em propósito e solução.
Pence observa que as empresas estão se “tecnificando” e há o entendimento de que o desenvolvimento da IoT possui um ROI – retorno sobre o investimento em curto período, primeiramente para reduzir custos operativos e, em seguida, para aumentar a produtividade.
A Trópico, por exemplo, desenvolve produtos voltados a prover conectividade, como estações radiobase e terminais. O gerente da empresa explica que a conexão entre os dois polos ocorre por meio de ondas de rádio na faixa de VHF, na frequência de 250 MHz, pouco utilizada e muito mais baixa que a usada pelas operadoras móveis, o que proporciona um raio de cobertura das torres muito maior do que um terminal atendido pela operadora móvel. Assim, uma torre com rádio base cobre uma área nove vezes maior, o correspondente à cobertura de nove torres, e custos bastante reduzidos.
Já as soluções IoT da Arqia direcionadas ao agronegócio partem de parcerias estratégicas com fomento de redes privadas 4G/LTE no campo. As demandas são captadas, analisadas e são propostas soluções personalizadas em conjunto com os ISPs locais para viabilizar e fortalecer os negócios em áreas rurais.
Serviços específicos
São muitas as oportunidades de conexão no campo, tanto para o produtor como para o provedor. A infraestrutura inclui soluções de conectividade e plataformas de IoT capazes de coletar e enviar dados para as aplicações voltadas à eficiência do agronegócio, a exemplo de planejamento do plantio, gerenciamento de irrigação, de market place para eliminar intermediários na cadeia de distribuição, previsão de microclima, capacitação técnica, relógio de ponto eletrônico, entre tantas outras.
Na opinião de Pence, BaiCells, um dos méritos dos ISPs é desenvolver soluções “chave na mão” para o agronegócio, oferecendo conectividade a pontos fixos de banda larga (câmeras, big data, Internet, telefonia, etc.), pontos de banda estreita (IoT de qualquer tipo) e mobilidade para a conexão dos veículos. “A base do agro 4.0 é a conectividade e os ISPs são os parceiros adequados para levar essa conectividade a qualquer lugar, com uma conexão via fibra, sem fio e até satélite”, afirma.
No caso das MVNO, Fuchs, do Grupo Datora, destaca que além da conectividade M2M (máquina para máquina) e acesso à Internet de qualidade, a conexão permite monitorar atividades em tempo real, minuto a minuto, condições meteorológicas e do solo, entre outras possibilidades. “Os dados coletados permitem que o empresário acompanhe a produtividade e tome decisão mais assertivas, com diminuição de custos e melhor desempenho financeiro da operação, do plantio à venda da safra.”
O futuro já chegou
São claros os ganhos proporcionados pela expansão a fornecedores de equipamentos e componentes, provedores e usuários, especialmente com a consolidação do 5G no país. E a expectativa é muito grande, tanto quanto as oportunidades.
Fuchs destaca o estudo “Cenários e Perspectivas da Conectividade para o Agro”, desenvolvido pela Esalq/USP para o MAPA, que aponta que a capacidade de transmissão de 4.400 torres existentes no país permitiria ampliar a cobertura de 23% para 48% das áreas rurais, com aumento de 4,5% do VBP – Valor Bruto de Produção. A instalação de 15.182 novas torres supriria 90% da demanda de conectividade no campo e provocariam um acréscimo de 9,6% no VBP. Acelerar a digitalização do campo seria um passo importante para a manutenção do Brasil como um dos principais produtores de alimentos no mundo, cuja necessidade tende a aumentar.
Experiências positivas já existem. A Trópico desenvolveu a infraestrutura tecnológica de uma rede LTE privada 4G, na faixa de 250 MHz, destinada à cobertura de áreas rurais para aplicações de IoT. A tecnologia foi desenvolvida no âmbito de um programa PAISS Agrícola do BNDES com vistas à introdução de novas tecnologias e ao aumento da produtividade do setor sucroenergético.
Para a Trópico, que hoje atende 1,5 milhão de hectares no agronegócio com conectividade banda larga de grande cobertura, conectividade para IoT em ferrovias, redes de distribuição de energia, portos e mineração, a perspectiva é de crescimento dos negócios que demandam redes privadas, principalmente entre pequenos produtores. “Temos possibilidades de negócio promissoras quando os provedores estabelecem parcerias com cooperativas e associações do agro para oferta de conectividade para os cooperados ou associados. Temos produção nacional e há possibilidade de financiamento via BNDES”, destaca.
A Datora/Arqia também tem projetos em andamento. Em março último, a empresa implementou provas de conceito (PoC) de redes privadas móveis em algumas fazendas, usando licenças de 5 MHz + 5 MHz na faixa de 700 MHz, frequência que permite uma cobertura ampla com poucas estações radiobase, o que uma grande operadora, por exemplo, não teria condições de atender.
A Datora/Arqia ainda participa do “Projeto Campo Conectado”, no qual atuam o BNDES, a PUC-Rio – Pontifícia Universidade Católica, entre outros parceiros, para integrar dispositivos, sensores, atuadores, redes de comunicação, coleta e análise de dados para gerar informações úteis à tomada de decisão. O projeto inclui a instalação de uma torre com antenas na Fazenda Macuco, localizada no distrito de Santiago do Norte, MT, que favorecerá o acesso da comunidade local à Internet, cujos testes de SIMCard’s estão previstos para o último trimestre de 2022.
A Baicells atua em projetos de redes 4G LTE e 5G, em operadoras, ISP e mercados verticais, levando conexão a diferentes regiões do país, inclusive com soluções para o setor agropecuário dentro das frequências disponibilizadas pela Anatel para redes privativas. “A disponibilidade de frequências é recente, porém veremos uma ‘explosão’ desse mercado antes do final do 2022. ISPs e operadoras estão colocando todas as suas fichas para atender a esses mercados com soluções extremamente criativas que, até agora, só precisavam de uma frequência dedicada e soluções com relação custo/benefício que ajude a ‘fechar a conta’ de qualquer projeto em pequenas, médias e grandes propriedades”, finaliza Pence.