OpenRAN promete mais competitividade e deve ganhar espaço com o 5G
A OpenRAN deverá ganhar corpo com o 5G. A possibilidade de integração de diferentes tecnologias fará com que sejam incentivados o desenvolvimento de inovações e a comercialização de produtos e soluções, que sejam fáceis de integrar na rede da operadora e aplicáveis em diferentes áreas e segmentos, com oportunidade a novas empresas e profissionais desenvolvedores.
Ariane Guerreiro, colaboradora da Infra News Telecom
Liberdade de uso e integração de tecnologias de diferentes fornecedores. É o que pressupõe a OpenRAN, redes abertas, cujos componentes utilizam protocolos de comunicação conhecidos por todos e que permitem integrar hardware e software de vários fabricantes, ampliando as possibilidades de inovação e a oferta de soluções diferenciadas em termos de funcionalidades e de custos.
Tradicionalmente, as RANs (redes de acesso via rádio) seguem um modelo fechado, com equipamentos, componentes e controladores fornecidos por uma ou por poucas empresas. Tais equipamentos desempenham um conjunto de funções, de maneira a não permitir a associação de produtos desenvolvidos por outros fornecedores.
Junto às antenas fixadas nas torres de telefonia celular, estão os chamados elementos eletrônicos ativos, isto é, elementos de rádio, denominados Rus – Radio Units, e equipamentos de controle dos rádios, chamados BBUs – Base Band Unit, que são os controladores das unidades de rádio e conectam todo o conjunto com a Internet. É nessa arquitetura que as OpenRANs se diferenciam, permitindo uma estrutura mais flexível, com redução de custos e melhoria de processos.
Segundo o gerente executivo de pesquisa desenvolvimento & inovação do Inatel – Instituto Nacional de Telecomunicações, Henry Douglas Rodrigues, o conceito “aberto” vem para quebrar esse paradigma, a partir de dois caminhos: definindo interfaces abertas e padronizadas, de modo a permitir a operação conjunta de equipamentos de diferentes fornecedores; e abrindo o código fonte de hardware ou software de algumas partes, facilitando o surgimento de novos desenvolvedores.
Rodrigues destaca que tais redes também são desagregadas, o que contribui para a maior competitividade e menores custos. “A desagregação acontece de forma horizontal, com a quebra de um grande bloco de funções em blocos menores, possibilitando que os fornecedores foquem e se especializem em uma porção menor da pilha de protocolos”, explica. “A desagregação vertical, por outro lado, separa o hardware e o software, assim hardwares padronizados podem ser utilizados por diferentes fornecedores de software”, completa.
O diretor de tecnologia da Nokia para Brasil e América Latina, Wilson Cardoso, explica que a rede aberta prevê, além da definição de protocolos de comunicação para a integração de tecnologias, a adição de um novo elemento denominado RIC- Radio Inteligent Controller, capaz de criar aplicações que customizam as estações de radiobase, para que o tráfego de vídeo seja priorizado em relação à Internet, por exemplo.
Trata-se de um processo complexo e novo, que exigirá recursos e uma nova forma de trabalhar as tecnologias e o próprio conceito de redes> O grande desafio será a integração dos componentes. RAN, em geral, demanda significativos investimentos tanto de Capex, que recebem cerca de 70% dos recursos, e como em Opex. “Com a padronização (abertura) dessas interfaces promovida pela ORAN Alliance, as operadoras passam a ter opção de escolha das soluções mais adequadas à operação”, afirma o gerente da área de soluções de comunicação sem fio do CPQD, Gustavo Correa Lima.
Oportunidades e desafios
Criada com o 4G, a OpenRAN deverá ganhar corpo com o 5G. A possibilidade de integração de diferentes tecnologias fará com que sejam incentivados o desenvolvimento de inovações e a comercialização de produtos e soluções, que sejam fáceis de integrar na rede da operadora e aplicáveis em diferentes áreas e segmentos, com oportunidade a novas empresas e profissionais desenvolvedores.
Um modelo importante para as operadoras de telefonia, a OpenRAN permitirá a flexibilização da arquitetura de rede, além de gerar competição. “As definições estão em desenvolvimento, assim como o mercado, que ainda é pequeno, mas deverá crescer. Grande parte dos investimentos das operadoras se destina a RAN e nossas expectativas são positivas para os próximos anos”, afirma o diretor de 5G e mobile da NEC para América Latina, Leandro Galante.
Ainda que essa movimentação esteja apenas no início e que seja quase imperceptível pelo consumidor, para as empresas representa muitas oportunidades de melhorias e negócios. Segundo Lima, do CPQD, essa arquitetura já tem trazido inovações, como o RIC – RAN Intelligent Controller, que em conjunto com aplicações de rede (xApps e rApps), tem proporcionado significativos ganhos de desempenho para as redes 5G. “Com maior competição, as soluções se tornam mais acessíveis a operadoras de pequeno porte e às redes privativas, permitindo a customização da rede para casos de uso que não envolvam toda a gama de serviços e requisitos previstos para uma rede pública de grande porte”, destaca.
É na oferta de serviços (SBA) nos quais se baseiam as redes 5G que a OpenRAN se ajusta melhor, no entendimento do diretor de arquitetura, tecnologia e inovação da TIM Brasil, Átila Xavier. Ele explica que tais serviços são oferecidos para as diferentes funções de rede, já preparadas para funcionamento em nuvem, como é o caso das unidades centralizadas (CU). “O OpenRAN tem um forte amparo na “softwarização” das redes e no emprego dos paradigmas de cloud computing, demandando novos skills das equipes de implantação e operação nas operadoras”, completa Lima, que considera significativa a demanda prevista para essa nova arquitetura, podendo representar bilhões de reais com a tecnologia 5G.
Bastante madura para 4G, a OpenRAN é funcional para 5G, mas está em processo de maturação. Com alto potencial de crescimento, dada a grande demanda oriunda da necessidade de expansão de cobertura e capacidade no país, em redes públicas e privadas, o modelo ainda precisa de evolução quando voltada a algumas aplicações, evolução esta que tem sido rápida na avaliação de Galante, da NEC.
Para Lima, a tecnologia está madura o suficiente para implantações iniciais e está em constante aperfeiçoamento, semelhante à padronização do próprio 5G no 3GPP. “As definições iniciais permitiram o início das implantações e, a cada novo incremento das especificações, há uma melhoria da interoperabilidade e acréscimo de funcionalidades”, explica.
O amadurecimento da tecnologia é só um dos desafios para sua consolidação no 5G. É necessário, ainda, na opinião de Xavier, da TIM, selecionar a forma de trabalho mais adequada à operadora. “Para aproveitar a flexibilidade na distribuição dos diferentes componentes, é necessária uma infraestrutura de comunicação de alta velocidade entre os mesmos (fibra), não disponível em todos os municípios, exigindo um planejamento cuidadoso das localidades onde será implantada, além da integração e coordenação dos envolvidos”, afirma.
A própria interação de empresas e soluções é um desafio que as operadoras têm de enfrentar, além de lidar com múltiplos fornecedores na construção da mesma rede. “O Inatel tem uma iniciativa em conjunto com o TIP – Telecom Infra Project para fazer a integração e implantação de redes OpenRAN 4G e 5G, pré-validando uma dada combinação de fornecedores, para facilitar o trabalho das operadoras”, afirma o gerente do Inatel.
Ele defende que a grande oportunidade para a entrada massiva do OpenRAN no Brasil está no surgimento de novas operadoras regionais em todo o país, pois são redes a serem implantadas do zero e um caminho para a expansão das redes de grandes operadoras.
A OpenRAN tem sido utilizada em novas redes 5G, em países como Japão e EUA, com o objetivo de reduzir custos e oferecer novos serviços, mas não é um processo simples. “As maiores dificuldades estão na estabilidade dos protocolos para possibilitar que as interfaces dos equipamentos, hoje proprietárias, sejam convertidas em interfaces abertas. Muitos destes protocolos ainda estão em fase de especificação”, afirma Cardoso, da Nokia.
A OpenRAN vai ajudar os potenciais fornecedores de tecnologia, em redes aplicáveis a operadoras de diferentes portes. O principal desafio, na visão do diretor da NEC, é fazer com que os diferentes sistemas funcionem, alinhando, combinando e validando essas tecnologias, um processo que não é simples. “É desafio e também oportunidades”, alerta. “Aumentamos muito o quadro de pessoas, contamos com laboratórios no Reino Unido e na Índia para testes de interatividade, para ver se funcionam conforme proposto”, completa o executivo.
Exemplos concretos
Já em aplicação no mundo, a OpenRAN tem sido objeto de testes e investimentos em diversos países, como Japão, pela Rakuten, EUA, com a Dish, e Reino Unido, com Vodafone. No Brasil, a Vivo desenvolve um projeto com a tecnologia na região nordeste.
Em outra iniciativa, CPQD e Nokia atuam juntas em um projeto de OpenRAN, para o desenvolvimento de aplicações RIC. A primeira fase foi concluída, com a instalação dos equipamentos no CPQD, testados em laboratório, e o treinamento das equipes para o desenvolvimento de xApps na plataforma SEP da Nokia.
A fase seguinte prevê a definição de procedimentos de licenciamento de uso do espectro junto à Anatel, para que os testes de campo sejam iniciados. “Em um primeiro momento, será possível realizar testes com xApps já disponíveis e se discute o desenvolvimento de novos xApps em parceria com operadoras, visando à maior cobertura das células 4G e 5G, por exemplo”, conta Lima, do CPQD.
O CPQD também trabalha em conjunto com a RNP – Rede Nacional de Ensino e Pesquisa na primeira fase do “Programa OpenRAN @Brasil”, que tem apoio do MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. O projeto contempla pesquisa e desenvolvimento de sistemas de software de controle inteligente de redes de acesso (RIC), suas aplicações e a orquestração de uma rede móvel 5G OpenRAN, incluindo outros domínios além do sem fio, como o transporte óptico no backhaul, midhaul e fronthaul.
Lima conta que será implantado um testbed OpenRAN 5G, com pontos de presença no CPQD, e plataformas de demonstração e experimentação em Campinas, SP, e no PoP-RNP, no Rio de Janeiro . Será observado o quanto uma rede 5G suportará aplicações avançadas que exigem baixa latência, elevada confiabilidade e altas taxas de dados.
Serão três fases: a primeira será focada no controle e orquestração dos recursos ópticos, IP, de rádio e de nuvem necessários ao funcionamento fim a fim de uma rede 5G. Estão previstos 36 meses de vigência – até novembro de 2023 -, com recursos de R$ 32,4 milhões. As segunda e terceira fases estão em modelagem e captação.
Outro projeto em andamento é o “Open Field”, em Santa Rita do Sapucaí, MG, que une a TIM Brasil, Inatel, TIP, Claro, Vivo, Brisanet, com o objetivo de validar a interoperabilidade de soluções OpenRAN, promovendo a colaboração, o desenvolvimento e a adoção de soluções abertas, desagregadas, seguras, escaláveis e sustentáveis para operadoras e parceiros.
Participam diversos fornecedores de hardware e software de tecnologias abertas e desagregadas, como OpenRAN, Open Optical Packet Transport e Open Core Network, para redes 4G e 5G OpenRAN e cobertura de toda a área do campus do Inatel. Testes de integração, validação e desempenho são realizados para comprovar a maturidade tecnológica das soluções.
Além disso, foi publicado recentemente no Diário Oficial da União um novo projeto com parceria entre Inatel, Eldorado e CPQD, sob gestão da RNP e fomento do MCTI para o desenvolvimento de uma radio unit 5G OpenRAN para a transferência de tecnologia para a indústria nacional.
A TIM também participa do “Open 5G @Campinas”, em parceria com CPQD, Embrapa, RNP, Unicamp – Universidade Estadual de Campinas e PUC – Pontifícia Universidade Católica, de Campinas, com o objetivo de conectar diferentes organizações, entre fornecedores de dispositivos, equipamentos e software, startups, instituições de pesquisa e inovação e empresas de diversos segmentos, para testar o 5G em diferentes áreas. Há ainda uma parceria entre TIM e Qualcomm para a construção de redes 5G com soluções de OpenRAN.
Embora o principal foco da OpenRAN sejam as operadoras, há experiências positivas em locais, cujas demandas serão importantes com o 5G, como hospitais. Essa flexibilidade contribui, de certa forma, para o caráter democratizante do 5G. “A OpenRAN visa trazer fornecedores e provedores com vistas à inovação, reduzindo a dependência das grandes corporações e abrindo oportunidades para empresas locais”, afirma Galante, da NEC. É uma tendência que a NEC vem acompanhado, tendo em vista que essa arquitetura de rede estimula o mercado regional, a inovação e o empreendedorismo.
A NEC, em conjunto com a Telefónica, vem desenvolvendo um projeto de OpenRAN, em países, como Reino Unido, Alemanha e Espanha, em diferentes fases. No Brasil, o projeto está em ajustes e o primeiro site deverá iniciar suas operações nos próximos meses, em uma cidade do Estado de São Paulo, que terá 70% do site baseado nesse tipo de rede, na qual a NEC será responsável pelo 5G. O objetivo do projeto é validar se todas as soluções se integram em um tráfego real. Outras fases estão em discussão.