Proposta de reformulação no uso e fiscalização da ocupação de postes prevê benefícios a ISPs e consumidores
Essencial, o tema gera conflitos e representa um grande desafio envolvendo ISPs, operadoras de telecomunicações e concessionárias de energia elétrica.
Ariane Guerreiro, colaboradora da Infra News Telecom
Uma das principais condições para a concretização do 5G em todo o país e que vem exigindo esforços conjuntos de órgãos e empresas envolvidas é o compartilhamento dos espaços em postes, necessário para a distribuição de cabeamento de redes de fibra óptica. Essencial, o tema gera conflitos e representa um grande desafio envolvendo ISPs – provedores de serviços de acesso à Internet, operadoras de telecomunicações e concessionárias de energia elétrica.
A Anatel e a Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica atuam juntas na regulamentação e na solução de problemas ocorridos entre suas representadas para o compartilhamento siga regras específicas da Aneel e normas técnicas das distribuidoras de energia elétrica. Determinações visando à regularização da ocupação de postes foram objeto de decisões da Comissão de Resolução de Conflitos das Agências Reguladoras, órgão colegiado que soluciona os conflitos existentes entre os agentes desses setores.
As regras relativas aos preços cobrados pelo compartilhamento de postes são definidas pela Resolução Conjunta nº 1/99, que permite a livre negociação dentro dos princípios da isonomia e da competição e assegura a remuneração dos custos prevista no contrato de compartilhamento. Em caso de conflitos e esgotada a via negocial entre as partes, a questão é analisada pela Comissão de Resolução de Conflitos, para que se fixe o valor devido, podendo adotar como referência o total estabelecido na Resolução Conjunta nº 4/2014.
Com vida útil média entre 20 anos e 25 anos, os postes contam com um espaço de 50 cm destinado ao ancoramento de seis pontos e sete cabos de 65 mm de diâmetro agrupados. Tais estruturas são fundamentais para a ampliação do acesso aos sinais de comunicação, o aumento das velocidades de conexão em banda larga e para a maior competição no setor, beneficiando consumidor e sociedade como um todo.
Para o presidente executivo da Telcomp, Luiz Henrique Barbosa, uma das preocupações com essa questão é o caráter negativo dos postes. “São esteticamente feios, mas acabar com eles não é a solução. O aterramento de cabos é uma opção cara e inviável para grande parte das regiões das grandes cidades ou de municípios menores, onde os postes são necessários para levar comunicação e conectividade”, afirma.
O compartilhamento de infraestrutura também reduz custos de expansão e universalização dos serviços e acelera sua implantação, importância que aumenta fora dos grandes centros urbanos, para instalação de rede de fibra óptica, como lembra o gerente de monitoramento das relações entre prestadoras, da Superintendência de Competição da Anatel, Fábio Casotti.
Ordenamento, custos, controle e manutenção estão entre os aspectos que geram conflitos entre empresas e entidades dos setores envolvidos. O uso desordenado dos postes reflete o crescimento sem planejamento das cidades, especialmente em áreas ocupadas sem a estrutura necessária, nas quais o aterramento dos cabos se torna mais caro e o uso de poste é essencial. “As telecomunicações são essenciais para as pessoas e para o país e o 5G é mais um movimento que vai usar mais estrutura, mais antenas e mais fibra”, afirma Barbosa.
Alia-se a este fator a própria evolução do setor, que vem ganhando novos prestadores de serviços desde a privatização do mercado de telecomunicações, ocorrida nos final dos anos 1990, gerando ainda mais demanda pelo compartilhamento de espaços.
Na avaliação do gerente de relacionamento institucional da Abrint – Associação Brasileira de Provedores de Internet e Provedores, Rhian Duarte, os esforços da Anatel em favor da competitividade e as novas empresas, muitas delas de pequeno e médio portes de atuação regional, também têm provocado fortes mudanças na ocupação da infraestrutura, que antes era limitado a poucas empresas. Todos esses fatores se interligam e são fundamentais para a expansão dos serviços de telecomunicação de qualidade para todos os brasileiros.
Reformulação normativa
A organização da utilização dos postes enfrenta alguns desafios, a começar pela demanda crescente, considerando não apenas a chegada do 5G, como também o adensamento populacional, que vai exigindo mais dessas estruturas. As dificuldades passam, ainda, por investimentos e fiscalização e um modelo de regras que definam melhor cada papel.
Observa-se uma situação de litígio no que se refere ao controle da instalação e uso dos postes. Duarte, da Abrint, tem uma visão mais crítica sobre a questão e considera que as distribuidoras de energia não contam com a expertise necessária para gerenciar esses espaços, uma vez que faltam equipes para análise dos projetos em tempos razoáveis ou bancos de dados atualizados com georreferenciamento dos postes e seus ocupantes, e profissionais preparados para uma fiscalização efetiva. “Criaram-se, então, barreiras de entrada, cobrando valores extorsivos pelo uso da infraestrutura e grande parte desses recursos vai para modicidade tarifária da energia elétrica, reduzindo ainda mais o interesse das distribuidoras de energia elétrica pelo o tema”, afirma.
Segundo Barbosa, da Telcomp, dos 46 milhões de postes existentes, 10 milhões estão superocupados, cuja organização exigirá investimentos de cerca de R$ 20 bilhões, valor já pago ao setor elétrico, que seria destinado a uma agenda de 10 anos a 15 anos e administrado por uma entidade a ser criada especificamente para a gestão dessa questão. “Atualmente, as companhias de eletricidade não fiscalizam e enxugamos gelo com o vandalismo e a clandestinidade”, ressalta. O presidente da Telcomp sugere a revisão da norma referente, junto à ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, que foi feita com base em cabos de cobre e não de fibra óptica, mais leves.
Faz-se necessária uma reformulação dos modelos atuais de controle e gestão dos espaços em postes. Está em discussão a proposta de criação de uma entidade responsável pela gestão e fiscalização do compartilhamento desses espaços.
Casotti, da Anatel, explica que a revisão da regulamentação conjunta entre Anatel e Aneel para o compartilhamento de postes está em curso pelo Processo nº 53500.014686/2018-89 e visa o aprimoramento do quadro normativo, que tem como objetivo endereçar problemas históricos de condições de acesso e de regularização da ocupação dessa infraestrutura, além de adequar a coordenação e as responsabilidades e oferecer condições justas de acesso, com eficiência, racionalidade e segurança para os envolvidos no processo.
As principais sugestões se referem à admissão de exploradores de infraestrutura especializados; solução orientada a mercado, com flexibilidade nos modelos de negócio; definição de um plano de regularização da ocupação; regulação definitiva no preço pela Aneel; ofertas de referência aprovada pelos reguladores e controle de preço do ponto de fixação, entre outras. “As proposições visam à maior previsibilidade, estabilidade, transparência, especialidade na condução do negócio, prevenção de abusos e incentivo à conduta racional da Exploradora”, afirma Casotti.
A solução proposta pela Abrint e outras associações engloba diversos pontos, começando pelo gerenciamento da faixa de ocupação das telecomunicações por meio de uma entidade sem fins lucrativos, a princípio chamada de “Gestora Nacional de Infraestrutura”.
A entidade seria responsável pelo recebimento dos valores pagos pela ocupação de telecomunicações, de acordo com o valor de referência existente, e pelo repasse às elétricas do custo incremental gerado, equivalente a centavos por poste.
Segundo Duarte, da Abrint, a “Gestora Nacional de Infraestrutura” seria subordinada a um GCGI – Grupo de Coordenação da Gestão de Infraestrutura, presidido pela Anatel e composto da Aneel, Ministério das Comunicações, Ministério das Minas e Energia e associações representativas de ambos os setores, e responsável pela definição de preços, procedimentos, prazos de regularização e aprovação de projetos de ocupação, com responsabilidade legal sobre a faixa de compartilhamento.
A proposta do novo texto normativo está em análise, após contribuições recebidas em consulta pública (nº 073/2021) entre 2 de dezembro de 2021 e 18 de abril de 2022, e, em linhas gerais, busca-se aperfeiçoar as regras aplicáveis ao compartilhamento de infraestrutura com foco na correção das irregularidades já presentes nos postes e a manutenção de uma ocupação regular dessas infraestruturas. Pela proposta, a definição do preço do ponto de fixação ocorrerá por meio de Ato da Aneel, devendo constar do regulamento em elaboração.
A questão é prioritária, mas também enfrenta desafios. “O principal é a convivência harmoniosa entre os setores de energia elétrica e de telecomunicações, visando à solução dos problemas históricos de acesso e regularização da ocupação com condições de acesso baseadas em eficiência, racionalidade e segurança”, afirma Casotti, da Anatel, que acredita ser necessário um alinhamento institucional com a Aneel, com um consenso entre os interesses dos envolvidos e uma interlocução com a sociedade civil e controle externo.
Fiscalização reduz riscos
Postes superlotados de cabos de todas as espessuras são imagens comuns nas ruas brasileiras e demonstram falta de controle pelas autoridades competentes. A escassa fiscalização não afeta só as empresas, como provoca riscos à segurança das pessoas, com a possibilidade de incêndios e acidentes causados por cabos rompidos ou rebaixados e falha no fornecimento dos serviços. É a instalação adequada dos cabos que garante resiliência e segurança. Os roubos de cabos de cobre, muitas vezes confundidos com os de fibra, são mais um agravante dessa questão.
A fiscalização é um dos pontos principais da proposta que está em andamento. A sugestão é que fique a cargo da “Gestora Nacional” a contratação de empresas com a função de “zeladoras técnicas” de áreas geográficas, que farão fiscalizações, levantamento e manutenção de informações sobre as ocupações, e serão geradoras de mão de obra em projetos de regularização conjunta.
A proposta ainda prevê o uso de tecnologia de ponta e inteligência artificial para monitorar a ocupação dos postes, a exemplo da solução desenvolvida pela Telcomp voltada à fiscalização das estruturas. Trata-se de um software capaz de registrar cada poste, o espaço ocupado e as empresas que o utiliza, com georreferência e foto do poste ligada a um banco de dados. O software permite a fiscalização por meio de um carro com câmeras acopladas sobre o veículo, com inteligência artificial capaz de apontar qualquer mudança. Em aprimoramento, o sistema está prestes a ser implementado.
A correta ancoragem da rede de fibra óptica, bem como a sua gestão, é pré-requisito para melhor qualidade no serviço ao consumidor. “A rede regularizada tem forte impacto nas análises de valor de mercado das empresas, impactando suas perspectivas de crescimento e até mesmo de acesso ao crédito”, observa Duarte, da Abrint.
A expectativa é que as incoerências financeiras também sejam sanadas a partir do novo texto. Duarte explica que grandes empresas pagam valores inferiores aos pagos pelas de menor porte, gerando limitações econômicas para a competição no mercado, o que aumenta o preço ao consumidor. A ocupação irregular, sem o pagamento de encargos, também gera distorções e impacto na margem de negócio das empresas, enquanto o elevado custo da ocupação dos postes dificulta a expansão das redes de fibra óptica para zonas rurais e atendimento a comunidades isoladas.
O diálogo tem sido fundamental para a solução do problema e para o desenho da proposta formulada pela Abrint e demais entidades setoriais, que ainda têm como mérito a não exigência de novos investimentos para o ordenamento de postes. “Com a “Gestora”, os recursos já existentes poderão ser utilizados integralmente para o ordenamento das redes. Um ambiente mais favorável para a regularização de todos os ocupantes atrairia mais recursos para o sistema de ordenamento”, reforça o gerente da Abrint.
O projeto prevê um valor teto equivalente, inicialmente, ao valor de referência atualizado, com vigência imediata, equalizando os preços nos diferentes estados. Os ocupantes que tiverem valores inferiores ao teto por questões contratuais continuariam pagando o mesmo valor por um período a ser definido. Estima-se que, uma vez os espaços organizados e fiscalizados, com valores reduzidos, não haveria mais espaço para clandestinidade e utilização dos espaços sem projeto prévio. “Todos os ocupantes dos postes passarão a ser mais um fiscal da ocupação”, finaliza Duarte.