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Provedores desembarcam nas redes móveis
As frentes de atuação dos ISPs incluem o 5G, fornecimento de capacidade em fibras ópticas, o uso de redes neutras em novos modelos de negócios, serviços de TV e exploração de faixas ociosas no mercado secundário. Além de contarem com uma infraestrutura robusta, eles conhecem de perto seus clientes.
Verônica Couto, colaboradora da Infra News Telecom
Os ISPs – provedores de serviços de Internet consolidaram suas forças nas redes fixas de banda larga, segmento em que avançaram sobre o market share das grandes operadoras, e agora entram em campo para disputar os serviços nas redes móveis. O leilão do 5G, com lotes adquiridos por prestadores regionais, e os planos da Anatel de regular o mercado secundário de espectro, oferecer sobras de frequência e facilitar o acesso a radiofrequências, assim como a operação das redes neutras, devem promover novos modelos de negócio e dar um protagonismo cada vez maior aos ISPs.
“O edital de 5G fez com que as PPPs – prestadoras de pequeno porte vislumbrassem uma oportunidade de participar do mercado de telefonia móvel e isso está cada vez mais próximo de se tornar realidade. Os lotes de radiofrequência adquiridos por essas empresas são muito importantes para a expansão do serviço móvel no Brasil”, afirmou Emmanoel Campelo, conselheiro da Anatel e presidente do CPPP – Comitê de PPPs, durante a quinta edição do Conecta Brasil, evento realizado pela agência no dia 17 de novembro, que discutiu a expansão da banda larga pelas PPPs.
Entre as muitas possibilidades que o mercado elenca para os provedores estão a atuação como fornecedores de capacidade em fibras ópticas; o uso de infraestrutura neutra para expandir seu próprio alcance ou ingressar mais rápido e com menor custo no setor; a prestação de serviços móveis em redes privadas, para setores como o agronegócio, óleo & gás, mineração, siderurgia, entre outros; a exploração de faixas ociosas no mercado secundário; e a venda de conteúdo de TV (via IPTV ou OTT). Seus principais trunfos são a infraestrutura potente das suas redes próprias e a relação consistente, de conhecimento e proximidade, com seus clientes.
De acordo com dados da Anatel, em julho deste ano, dos 39,4 milhões de acessos do SCM, 43,7% do mercado (ou 17,2 milhões de acessos) eram de prestadoras de pequeno porte, um crescimento importante em relação ao mesmo período de 2020, quando elas somavam 12,5 milhões de acessos ou 35,9% de market share.
“Essa evolução das PPPs é impressionante, principalmente considerando o contexto da pandemia”, ressaltou Campelo. “Desde março de 2020, as prestadoras de grande porte tiveram uma queda de cerca de 1% no seu quantitativo de acessos, enquanto as PPPs, um crescimento de mais de 59%.”
Em relação à infraestrutura das redes, 83% dos acessos oferecidos pelas PPPs são prestados por fibra óptica, percentual que cai a apenas 38% nas players de grande porte. “Isso demonstra que essas empresas possuem redes modernas e com elevada capacidade de transmissão de tráfego de dados”, diz Campelo. “Elas são fundamentais no mercado de banda larga fixa brasileiro.”
Rompendo fronteiras
Segundo a Abrint – Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações, existem atualmente 18,6 mil provedores no país – entre os que têm ou estão dispensados de outorga –, que atuam basicamente com redes de fibra óptica. Conselheiro da entidade, Wardner Maia destaca que a crise sanitária gerou um aumento inicial no tráfego que chegou a bater 40%, e, no regime de home office, uma maior dependência dos clientes em relação aos serviços prestados. “O papel do provedor regional passou a ser bastante relevante, assumindo a assistência na casa do usuário para fazer com que as coisas funcionem. O provedor passou a cuidar mais do Wi-Fi do que antes, até do help desk.” A proximidade com os clientes é uma das principais vantagens competitivas dos provedores regionais.
Além disso, Eduardo Neger, presidente da Abranet – Associação Brasileira de Internet, afirma que, embora os provedores estejam entregando velocidade de fibra, os usuários não têm conseguido uma experiência equivalente ao salto de qualidade que seria esperado do aumento na banda, o que também inseriu os ISPs nos serviços de suporte. “Isso acontece porque não há a distribuição correta de Wi-Fi, equipamentos com capacidade de gigabits. Por isso, muitos provedores romperam a fronteira e passaram a fazer a gestão da cobertura no interior das residências.” Marco importante, nesse sentido, teria sido a regulação do Wi-Fi 6 pela Anatel.
Essa versatilidade e o fato de contarem com redes robustas explicam em parte os provedores terem enfrentado com sucesso a pressão do tráfego na pandemia, acredita Neger. “Este ano, as empresas estão investindo nas redes, mas o grande problema tem sido a ausência de componentes para expandir”, alerta, informando que os prazos para compra de um servidor, por exemplo, podem chegar a agosto de 2022, e a um custo imprevisível, devido à alta do dólar.
Por outro lado, uma barreira para o modelo das redes neutras, na opinião de Neger, é a “desconfiança” que ainda persiste. “Especialmente em relação às redes criadas com base de grandes operadoras. Será que vão manter as condições de isonomia? Além da desconfiança de ter a qualidade da rede na mão de um terceiro, perder o controle sobre o ativo.”
O presidente da Abranet aponta ainda que as fusões e aquisições, que já estão ocorrendo há cerca de cinco anos, continuarão como tendência geral do setor em 2022. “A ressalva é para os pequenos, que querem ser comprados, mas têm problema de compliance, muitas vezes sem contabilidade documentada. Porém, as empresas vêm melhorando seus processos para se tornarem elegíveis à compra.”
Os provedores se mostram especialmente relevantes em municípios com menos de 30 mil habitantes, destaca o conselheiro da Anatel. Segundo ele, as PPPs são líderes no número de acessos em 4.503 municípios, sendo 3.593 deles com menos de 30 mil habitantes e 910, acima. “Não posso deixar de parabenizar o esforço das PPPs em expandir a banda larga pelo país”, saudou o conselheiro.
Durante as reuniões do CPPP, Campelo conta que é crescente o interesse das prestadoras em ingressar no mercado de telefonia móvel. “Já abordamos temas como uso de espectro em caráter secundário, regulamentação do MVNO, uso de White Space [espectro ocioso em UHF e VHF para serviços de telecomunicações], a venda da Oi Móvel, entre outros.” O conselho diretor da agência também autorizou um novo chamamento público em 778 municípios para as sobras do leilão de 2015, e uma atualização do RUE – Regulamento de Uso de Espectro está em estudos, para permitir transferir autorizações de uso de radiofrequência, fomentando o mercado secundário.
Em janeiro de 2022, a Anatel lança o “Portal Espectro Brasil”, que vai trazer o detalhamento de todo o plano de destinação de radiofrequência do setor. Será possível consultar no site as faixas de cada serviço por município, a disponibilidade, os equipamentos, o passo a passo dos procedimentos para obter as outorgas e o licenciamento das estações.
De um modo geral, acredita-se que os provedores devam levar ao segmento móvel o dinamismo que imprimiram nos serviços prestados, principalmente, sobre suas redes de fibras ópticas, agora ativos estratégicos nas interconexões para as aplicações de alto desempenho do 5G. Dados preliminares de um estudo feito pela Abrint estimam um faturamento de R$ 142,02 bilhões em 2020 para os provedores de acesso à Internet de pequeno porte, gerando 240,7 mil empregos. ÅÅ
Especialista defende modelo NAAS
Vice-presidente de vendas da Baicells para América Latina, Espanha e Portugal, o uruguaio Ricardo Pence, analisa as novas oportunidades de negócios para os ISPs que o 5G abrirá em 2022. Entre elas, o executivo destaca a venda de capacidade de rede como serviço (NAAS – Network as a Service), mediante uma remuneração baseada no volume do tráfego utilizado. Segundo o executivo, é preciso um olhar amplo sobre as possibilidades do mercado em cada região para avaliar quando optar pela consolidação, pela parceria ou pelo NAAS. “O próximo ano é de xadrez, não de futebol.”
Pence trabalha desde 2007 com banda larga wireless, tendo ocupado posto de country manager e diretor para América Latina da Avaya, atuando com projetos de cidade inteligente no Ceará, Pará, Acre, Piauí. Com sede na China, a Baicells vende soluções de 4G LTE e 5G. Nos últimos cinco anos, o executivo rodou o país e conversou com mais de 200 provedores de acesso à Internet em municípios de todos os estados, segundo ele, do Oiapoque ao Chuí. O que viu é que os ISPs têm uma rede de fibra óptica de muito boa qualidade e que essa infraestrutura é chave para novas formas de rentabilizar sua operação.
“Hoje, 40% das torres que existem no Brasil estão ocupadas com GSMA, 2G e 3G. A expectativa é que, em 2025, 81% sejam 4G”, diz. Nesse contexto, ele observa que ainda que o 5G provoque um aumento na densidade de ERBs, com milhares de antenas, será impossível atingir as metas sem o backbone de fibra óptica.
Pence defende que os ISPs com redes de fibra robusta devem oferecer sua infraestrutura no modelo NAAS, para que os MNOs, as operadoras nacionais, prestem seus serviços. “Esse provedor do Chuí, por exemplo, vai alugar sua rede e receber da operadora no final do mês pelo tráfego consumido pelo cliente.”
Novas participantes do mercado, que adquiriram frequências no leilão do 5G, como a Winity ou a Cloud2You, ainda não têm rede, ressalta o vice-presidente da Baicells. “O futuro dos ISPs, além de continuar seu negócio na banda larga fixa, será virar um fornecedor de última milha para essas empresas. Vão oferecer esse serviço como operador de torre, mas cobrando por tráfego.”
A Baicells já faz a mediação de operações dessa natureza na China, onde a empresa participou da construção de uma rede neutra de 13 províncias para oferecer serviços às três maiores operadoras do país. Um modelo que Pence acredita que poderia ser replicado no Brasil, como “uma maneira de rentabilizar as redes dos ISPs”. As operadoras do 5G, por sua vez, economizaram os investimentos que seriam necessários em infraestrutura, pessoal e treinamento para montar novas redes.
Os novos negócios para os ISPs, baseados na sua malha de fibras ópticas incluem NAASs, oferecer última milha como rede neutra, além de serviços associados, como manutenção. “É uma oportunidade boa para os ISPs, porque nas regiões onde estão, geralmente, a conectividade móvel não é boa. Outra, são os mercados verticais – serviços para as comunidades e as concessionárias de água, luz, ou setores como o agronegócio, em redes privadas. Fazendo uma comparação, esses ISPs vão virar a concessionária de rodovia, e não interessa a marca do carro que passa, porque todos vão ter que pagar pedágio”, compara Pence.