Qual é a exatidão de relógios atômicos?
Neste artigo, discorremos sobre a importância das medidas de tempo & frequência para as telecomunicações. Vamos nos aprofundar um pouco mais e abordar sobre a exatidão dos relógios atômicos – padrões indispensáveis para prover a referência de base de tempo com baixíssima incerteza, tão necessária para que os atuais sistemas de telecomunicações funcionem.
Fabrício Gonçalves Torres e Diogo Cesar Borges Silva, pesquisadores do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
Em 2023, o prêmio Nobel de Física foi compartilhado por três pesquisadores que contribuíram significativamente na geração de pulsos de luz ultrarrápidos (Anne L’Huillier, Pierre Agostini e Ferenc Krausz). Seus trabalhos obtiveram resultados que permitiram gerar pulsos com intervalos de tempo na faixa de algumas dezenas de attosegundos, ou seja, 10-18 s ou 0,000000000000000001 s [1]. Para se ter uma ideia desta escala de tempo, 1 attosegundo está para 1 segundo, como 1 segundo está para aproximadamente 32 bilhões de anos, um intervalo de tempo tão grande que é maior que a idade conhecida do universo.
As técnicas criadas pelos ganhadores do prêmio Nobel já têm aplicações nas áreas da física subatômica, permitindo observar o movimento dos elétrons ao redor dos átomos, porém, ainda são incipientes, inclusive nas telecomunicações. O que sabemos é que a capacidade de manipular elétrons individualmente usando pulsos de attossegundos pode levar ao desenvolvimento de dispositivos eletrônicos ultrarrápidos. Isso poderia resultar em processadores mais velozes e eficientes, permitindo uma comunicação de dados mais rápida e confiável em redes de fibra óptica, sendo essas já capazes de trabalhar com pulsos de laser na faixa de femtossegundos (10-15 segundos) [2].
Segundo [3], a técnica RABBIT, usada para a geração de pulsos ultrarrápidos, possui incerteza da ordem de 5 a 10 attossegundos que, embora seja relativamente alta, ainda assim, permitiu expandir uma faixa do escopo ainda inexplorada. Indubitavelmente, esta técnica somente foi possível decorrente da altíssima exatidão nas medidas de tempo & frequência por meio do uso de relógios atômicos e é disso que iremos abordar neste artigo.
O que são relógios atômicos?
Para entendermos o que são relógios atômicos precisamos primeiro entender a diferença entre um relógio, uma base de tempo e o que é um oscilador.
A base de tempo tem a função de fornecer uma frequência de referência a partir de um oscilador interno. Um relógio é composto por um oscilador e um mostrador que indica um intervalo de tempo.
Um oscilador ideal é um dispositivo que fornece um intervalo de tempo por meio de algum fenômeno físico que varia periodicamente a uma taxa constante. As figuras 1 e 2, respectivamente, representam graficamente como seria um oscilador ideal. Na figura 1 vemos a taxa de variação do fenômeno no decorrer do tempo. Na figura 2 vemos a acumulação de algo, intitulado como Y (por exemplo, a contagem dos batimentos do coração) ao longo do tempo.
Na natureza, entretanto, não existem osciladores ideais. A oscilação dos batimentos cardíacos, de um pêndulo, a rotação da Terra ou qualquer outro fenômeno que varia periodicamente não possui uma taxa constante e quanto maior a dispersão desta taxa menor é a exatidão do oscilador. As figuras 3 e 4 ilustram esse comportamento.
De todos os osciladores (naturais ou artificiais), oficialmente definido em [4], o oscilador atômico é considerado o padrão de frequência primário, já que ele possui maior exatidão entre todos os outros osciladores, ou seja, seu comportamento é o que mais chega próximo das figuras 1 e 2.
O princípio de funcionamento dos osciladores atômicos é baseado na ressonância atômica. Este princípio explora as transições de energia nos átomos quando eles absorvem e emitem energia em forma de radiação eletromagnética. Os osciladores mais comuns são os de Césio, rubídio e hidrogênio, embora o de Césio esteja na definição do segundo no Sistema Internacional de Unidades (SI). Usualmente, os relógios atômicos são sincronizados por meio de antenas de Sistema Globais de Navegação por Satélite, ou GNSS (do inglês Global Navigation Satellite Systems), tal como o GPS. As antenas de GNSS recebem sinais de satélites que transmitem informações de tempo. Com base na diferença de tempo identificada entre o sinal GNSS e o relógio atômico local, o relógio é ajustado para sincronizar exatamente com o tempo fornecido pelo sistema GNSS. Esse ajuste é feito de forma contínua para manter a exatidão extremamente alta do relógio. Por esse motivo esses equipamentos são a referência em termos de exatidão de bases de tempo atualmente, como vamos ver no item a seguir.
Exatidão dos relógios atômicos
Os LNM – Laboratórios Nacionais de Metrologia, usualmente, possuem os relógios atômicos mais exatos, ou seja, com menor incerteza de medição. Estes relógios atômicos são a base da cadeia de rastreabilidade metrológica para as grandezas de tempo & frequência.
As incertezas declaradas pelos LNM mudam com o tempo, inclusive decorrente de avanços tecnológicos que resultam em osciladores cada vez mais precisos. A figura 5 a seguir apresenta as menores incertezas declaradas pelos LNM de diversos países. Embora haja a possibilidade de os Laboratórios possuírem capacitação para medidas de tempo & frequência com maior exatidão, estas são as incertezas oficiais constantes no sítio do BIPM – Bureau Internacional de Pesos e Medidas consultadas em 05.12.2023 [5].
Na figura 5, em verde no gráfico, é possível constatar os quatro LNM que possuem a melhor exatidão são: LCOE da Espanha, PTB da Alemanha, NIST dos Estados Unidos e BelGIM da Bielorrússia.
Na América do Sul, o Brasil (em laranja no gráfico), por meio do Observatório Nacional – Divisão de Serviços da Hora Legal Brasileira (ON/DSHO), nosso laboratório designado em tempo & frequência, é o que possui a maior exatidão entre os demais países do continente.
Na cadeia de rastreabilidade metrológica, abaixo dos LNM, temos os laboratórios de metrologia que também possuem osciladores atômicos, embora, usualmente, com incertezas superiores aos dos LNM. O IPT, por exemplo, por meio do seu padrão de frequência de rubídio (figura 6), possui incerteza declarada na ordem de 3,4 x 10-11, que é suficiente para a calibração de medidores ou geradores de tempo & frequência que possuem osciladores com menor exatidão, tais como alguns padrões de rubídio ou de quartzo, este último, por sinal, que representa a grande maioria dos equipamentos dos nossos clientes.