Quando os dados entram em campo: Como o analytics vai ajudar as seleções na Copa do Mundo
Prof.ª e Dra. Alessandra Montini
Entre 20 de novembro e 18 de dezembro de 2022, quando os 32 países perfilarem suas seleções para as partidas da Copa do Mundo de futebol, no Catar, as habilidades e condições físicas certamente serão um fator primordial para o sucesso na competição – mas não só isso. Enquanto os jogadores duelam nos gramados, outros profissionais ficarão de frente a computadores e soluções tecnológicas com um único propósito: coletar o máximo de informações para auxiliar na estratégia e na preparação de suas equipes.
Sim, a análise de dados, uma velha conhecida no ambiente corporativo, entrou com força no universo do futebol nos últimos anos. Praticamente, as principais equipes do planeta investem continuamente em analistas, profissionais responsáveis por levantar diversas variáveis sobre um determinado jogador, time adversário ou até mesmo de estádios de futebol. Com seus relatórios, a comissão técnica define a melhor escalação para cada contexto e, a partir daí, tenta alcançar os resultados dentro do planejamento elaborado anteriormente.
Não é de hoje que o analytics está ganhando seu espaço no ambiente esportivo. Foi o beisebol que talvez soube explorar suas possibilidades. Essa modalidade sempre levantou diversas informações estatísticas sobre os jogadores, mas ninguém conseguia utilizá-los de forma completa, ou seja, cruzar esses dados para auxiliar na tomada de decisão de contratações e, claro, escalações nas partidas. Até que Billy Beane, gerente do Oakland Athletics, utilizou fórmulas matemáticas para analisar seus jogadores. Foi uma verdadeira revolução, brilhantemente retratada no filme “O Homem que Mudou o Jogo”.
Desde então, diversos esportes também adaptaram o analytics em suas rotinas, como o basquete, vôlei, atletismo, natação, hóquei no gelo e, claro, o futebol. Nós, brasileiros, já sentimos na pele o poder que a ciência de dados pode trazer para a performance esportiva. Quem não se lembra do 7 x 1 da Alemanha na Copa do Mundo de 2014? Aquela exibição só foi possível porque uma ferramenta identificou quatro anos antes que os jogadores alemães demoravam para dar passes. Resultado: se em 2010 o país levava quatro segundos para passar a bola entre seus atletas, no jogo contra o Brasil esse índice já era de 1,1 segundo.
É claro que só a análise adequada de dados não define o resultado esportivo dentro da arena de jogo. O que faz o esporte ser tão popular é justamente sua imprevisibilidade. Uma equipe ou atleta pode ter todas as informações disponíveis e seguir à risca seu planejamento, mas no fim uma bola mal rebatida na área ou um desempenho acima da média do adversário põe tudo a perder. Mas ainda que não garanta sozinho a vitória, sem ela fica cada vez mais difícil se destacar nas principais competições do planeta.
Dados dentro, fora e até entre os campos de futebol
O futebol, como qualquer outro esporte, é cercado por números e estatísticas. Quase tudo é quantificado e mensurado. Assim, o trabalho inicial de coleta de informações já existia dentro da estrutura de equipes e seleções. Faltava apenas colocar a inteligência para tratar, processar e cruzar essas informações – e os insights gerados mudaram completamente a forma como o jogo é entendido e percebido.
A começar, claro, dentro das quatro linhas. O desempenho de cada atleta é analisado a cada partida, verificando o percentual de passes, finalizações, desarmes, chances criadas, posicionamento e velocidade. De posse dessas estatísticas dentro de um período de tempo, a comissão técnica determina quem começa jogando em cada partida, levando em conta as informações coletadas do próprio adversário. Quem conseguir neutralizar a estratégia do seu oponente tem mais possibilidade de vencer.
Mas há também a análise fora do campo do jogo. Isso inclui, por exemplo, dados médicos e fisiológicos, que permitem identificar quem está mais propenso a sofrer uma lesão muscular (e, portanto, precisa de recuperação maior), quais jogadores já sofreram com lesões anteriores e o tempo que levaram para voltarem ao seu melhor nível e, claro, quais jogadores se encaixam dentro da proposta que aquela equipe pretende desenvolver.
Borussia Dortmund, da Alemanha, e Ajax, dos Países Baixos, se destacam por encontrar jovens talentos que são desenvolvidos. Os ingleses Liverpool e Manchester City, por sua vez, encontram jogadores que encaixam como uma peça no quebra-cabeça. No caso de seleções, convocar A ou B passa justamente por essa capacidade de adaptação à estratégia e ao estilo de jogo. Se antes a convocação levava em conta a fase momentânea de cada atleta, hoje há outros fatores que são levados em conta.
Por fim, não podemos esquecer que o analytics aprofunda ainda mais o planejamento de uma seleção ao levantar dados que, a princípio, poucos se interessavam anteriormente. Quer um exemplo? Há jogadores que conseguem render melhor à noite do que à tarde porque se cansam com mais facilidade. Numa Copa do Mundo que vai acontecer no Catar, um país com elevadas temperaturas (tanto que os jogos serão em novembro e dezembro para fugir do forte verão na região), informações sobre temperatura e umidade do ar também são relevantes para formar uma seleção vencedora.
A partir do dia 20 de novembro vamos pegar nossas camisas verdes e amarelas e torcer para que a Seleção Brasileira conquiste o hexacampeonato, reforçando ainda mais a nossa hegemonia de “país do futebol”. Contudo, para além da habilidade do Neymar, dos gols de Richarlison e da segurança de Thiago Silva, temos que torcer para o sucesso da equipe de Analytics que o Brasil montou para essa competição! O sucesso deles é o primeiro passo para erguer a taça no final!
Foto: Freepik – Rawpixel
Diretora do LABDATA-FIA, apaixonada por dados e pela arte de lecionar, Alessandra Montini tem muito orgulho de ter criado na FIA cinco laboratórios para as aulas de Big Data e inteligência Artificial. Possui mais de 20 anos de trajetória nas áreas de Data Mining, Big Data, Inteligência Artificial e Analytics.
Cientista de dados com carreira realizada na Universidade de São Paulo, Alessandra é graduada e mestra em estatística aplicada pelo IME-USP e doutora pela FEA-USP. Com muita dedicação, a profissional chegou ao cargo de professora e pesquisadora na FEA-USP, e já ganhou mais de 30 prêmios de excelência acadêmica pela FEA-USP e mais de 30 prêmios de excelência acadêmica como professora dos cursos de MBA da FIA. Orienta alunos de mestrado e de doutorado na FEA-USP. Membro do Conselho Curador da FIA, é coordenadora de grupos de pesquisa no CNPq, parecerista da FAPESP e colunista de grandes portais de tecnologia.