Quatro dicas para obter as melhores vantagens na calibração
Muitas empresas não compreendem sobre a importância de manter seus instrumentos de medição calibrados regularmente. Esta atividade ainda é considerada por muitos como um gasto, e que deve ser realizada apenas para atender às normas de acreditação ou certificação. Neste artigo, quatro dicas serão abordadas para que se possa explorar os principais ganhos ao manter as medidas calibradas.
Fabrício Gonçalves Torres, pesquisador do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
Um grande desafio para as empresas é garantir que suas atividades fins estejam sendo executadas com máxima eficiência. No mundo em que vivemos, em que os recursos são escassos (materiais ou não), não há vantagem a médio e longo prazo para qualquer parte da sociedade, uma empresa atuar fora da fronteira de possibilidade de produção (FPP), ou seja, em uma zona de ineficiência.
O meio de se garantir que os processos estejam sendo executados adequadamente passa, inevitavelmente, por medidas com exatidão suficiente para a melhor tomada de decisão e controle das etapas do processo. Sendo assim, não é exagero declarar que as medições afetam direta ou indiretamente qualquer atividade disponibilizada para uma sociedade, seja ela por meio de produtos ou serviços.
Entretanto, observa-se que ainda é necessário expandir o conhecimento, dentro das empresas, sobre a importância dos instrumentos de medição e dos cuidados necessários para se obter boas medidas e, inclusive, sobre a real importância da calibração, que deve ser considerada com maior seriedade, muito além do que um serviço burocrático exigido por regulamentações ou para se obter uma acreditação ou certificação.
Ainda hoje, não é raro identificar resultados presentes em um certificado de calibração sendo negligenciados e engavetados para serem usados, apenas, no ato de uma auditoria técnica.
Para mudar este cenário, quatro dicas práticas sobre o processo de calibração são apresentadas a seguir. Elas são provenientes das dúvidas mais corriqueiras de colaboradores das empresas de diversos segmentos de mercado, que buscaram o Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT, ao longo de muitas décadas.
1 – Foque nas medidas, e não no instrumento de medição
Uma corporação deve ter clareza sobre os seus produtos ou serviços disponibilizados para o mercado. O processo deve ser compreendido com a profundidade necessária para identificar quais etapas influenciam significativamente na qualidade do produto ou serviço ofertado. A partir dessa compreensão, é que se busca responder quais medidas devem ser realizadas nessas etapas do processo e, consequentemente, quais medidas devem ou não ser calibradas. Perceba que são as medidas que são calibradas, e não os instrumentos de medição, embora seja comum dizer que “tal instrumento” esteja calibrado.
O entendimento adequado das etapas do processo faz com que o foco esteja nas medidas e no grau de exatidão necessário para essas medidas, e não no instrumento de medição.
Numa etapa do processo, em que uma tal medida seja crucial, um alto erro desta medida pode acarretar sérias consequências para a empresa: recall, processos judiciais, prejuízo de imagem, perdas financeiras, entre outras. E, portanto, a calibração possui um papel fundamental na identificação destes erros.
O inverso também é verdadeiro, ou seja, nem tudo precisa ser calibrado, e nem todas as funções presentes em um instrumento de medição precisam ser calibradas, principalmente, quando o instrumento é multifunção, e executa medidas de diversas grandezas que, às vezes, não é importante para o processo produtivo da empresa.
2 – Não confie cegamente nos datasheets de fabricantes, muito menos no discurso “é novo, não precisa calibrar”
Após definir cautelosamente as medidas necessárias para garantir a qualidade do processo produtivo de sua empresa, o próximo passo é definir qual instrumento de medição deve ser adquirido e, para auxiliar nessa decisão, os fabricantes, usualmente, disponibilizam os datasheets desses instrumentos, ou seja, um resumo com todas as informações mais importantes, tais como: características técnicas, exatidão, desempenho técnico etc.
Normalmente, os fabricantes de instrumentos de medição apresentam em seus datasheets informações suficientes sobre o produto, mas isso não é regra e, em muitos casos, há uma série de omissões sobre como algumas especificações técnicas são atingidas. Às vezes, os fabricantes se baseiam em testes realizados em partes do produto, ou em informações teóricas, que não refletem igualmente quando o instrumento é considerado uma caixa preta.
Outro ponto relevante a ser considerado é que, mesmo que o instrumento de medição seja novo para o usuário, não há garantias de como este instrumento foi testado pela fábrica, como ele ficou acondicionado até a venda, e como foi realizado o transporte até a chegada do instrumento nas mãos do usuário. Há muitos riscos envolvidos que devem ser considerados antes de se colocar um instrumento de medição novo em utilização.
A calibração adequada antes do uso é a melhor estratégia para mitigar os riscos levantados, independentemente se o instrumento é novo ou não.
3 – Analise os resultados de calibração para a melhor tomada de decisão
Após a calibração, é gerado um relatório, usualmente, chamado de Certificado de Calibração. Neste Certificado, consta, principalmente, os resultados da calibração, que devem ser analisados pelo responsável pelo instrumento de medição, e não pelo Laboratório de Calibração, pois, é o responsável que, em tese, tem o conhecimento detalhado do uso e do impacto das medidas no processo produtivo de sua empresa.
Entretanto, a análise pode não ser tão simples, principalmente, para usuários que não têm familiaridade com termos metrológicos, estatística e instrumentação. Por conta disso, é comum encontrar no mercado diversos cursos sobre Análise dos Certificados de Calibração, que podem contribuir na qualificação de pessoal para esta tarefa. Muitos Laboratórios de Calibração podem também auxiliar o cliente nesta análise.
De forma resumida, a análise dos resultados de calibração consiste em responder a seguinte pergunta: As medidas deste instrumento de medição estão adequadas para a finalidade do seu uso?
Para responder a esta pergunta, os itens a seguir devem ser considerados:
• Qual o critério de aceitação, ou regra de decisão, para avaliar se a medida calibrada está adequada (norma técnica, especificação do fabricante etc.)?
• A composição do erro com a incerteza de medição está de acordo com o critério de aceitação (figura 1)?
• Se não estiver de acordo, qual a melhor decisão a ser tomada (corrigir o erro, efetuar ajuste ou reparo no instrumento de medição, segregar o instrumento, aumentar o critério de aceitação)?
4 – Analise o histórico de calibrações para refinar a tomada de decisão
Inevitavelmente, as características de um instrumento de medição se alteram com o tempo, e suas medidas deixam de ser exatas da mesma forma que haviam sido na sua primeira calibração. Além do desgaste natural, a influência das condições ambientais em que o instrumento é acondicionado, forma e nível de uso, transporte, e muitas outras variáveis, podem fazer com que as medidas realizadas alterem com o tempo.
Por meio de calibrações periódicas, é possível estudar o comportamento do instrumento de medição ao longo do tempo (figura 2), e, a partir dessa análise, pode-se efetuar melhores correções baseadas na curva de deriva, estimar a vida útil do instrumento e/ou adequar a periodicidade de calibração de acordo com a análise.
Algumas ferramentas metrológicas, tal como o ProCal, desenvolvido por pesquisadores do IPT, auxiliam os usuários de instrumentos de medição na análise dos resultados de calibração, incluindo o histórico de calibrações ao longo do tempo. Esta ferramenta é disponibilizada gratuitamente a todos os clientes que enviam seus instrumentos de medição para calibração de suas medidas no Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT.
Fabrício Gonçalves Torres é físico, mestre em Processos Industriais e responsável pela área de Alta Frequência e Telecomunicações do Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT. Possui mais de 17 anos de experiência em metrologia e realiza auditorias, consultorias e treinamentos na área de qualidade, metrologia e instrumentação. fabrigt@ipt.br; https://www.linkedin.com/in/fabr%C3%ADcio-t-5512a877.