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Redes neutras abrem novas oportunidades para ISPs
As infraestruturas de fibra óptica se tornaram estratégicas para assegurar alcance para o alto desempenho das aplicações móveis e podem permitir aos provedores assumirem um papel de ponta no atendimento ao cliente final.
Verônica Couto, colaboradora da Infra News Telecom
A chegada da tecnologia 5G abriu uma disputa intensa pelo negócio com os backbones de fibra óptica, considerados imprescindíveis para estender o alcance geográfico da conectividade com a performance exigida pela nova frequência celular. Ganham protagonismo tanto as redes neutras quanto as malhas de fibras já instaladas pelos provedores, que têm a vantagem competitiva de conhecerem de perto seus clientes, principalmente em segmentos regionais.
É consenso que o compartilhamento das redes por diferentes prestadores de serviço poderá acelerar o avanço das conexões no país, mas, para se consolidarem, as neutras precisam mostrar que conseguirão operar sem discriminação e com isonomia. “Não existe 5G sem fibra”, diz Pedro Arakawa, chief commercial officer da V.tal, criada a partir da separação estrutural dos ativos de infraestrutura de fibra óptica da Oi. “Para ter uma boa cobertura 5G, o país precisará multiplicar em algumas vezes a quantidade de antenas de celular. Veremos um compartilhamento da fibra óptica que conecta essas antenas num nível muito parecido ao que temos hoje no compartilhamento de torres.”
Na avaliação de André Kriger, chief executive officer da FiBrasil, operadora da malha de fibra óptica da Vivo/Telefônica, com participação acionária do fundo canadense CDPQ, o fato de as aplicações de alto desempenho da 5G demandarem maior número de antenas, para assegurar latência e velocidade, “traz diferentes oportunidades para as redes neutras, permitindo a atuação em vários ‘hauls’ (backhaul, middlehaul e fronthaul)”, para escoar o tráfego de dados dos usuários, provendo qualquer tipo de atendimento. “A rede neutra pode funcionar como um trem-bala, um avião, um carro de luxo, acompanhando à necessidade de uso.”
Representante da InternetSul – Associação dos Provedores de Serviços e Informações da Internet no CPPP – Comitê de Prestadoras de Pequeno Porte da Anatel, Fabiano André Vergani vendeu em setembro a Bitcom, provedora com 26 anos de existência em Caxias do Sul, RS, a primeira do interior gaúcho, para se concentrar na Xplay Digital, integradora de serviços voltados para a 5G, que pretende, entre outras atividades, mediar a relação entre a fornecedora de infraestrutura e provedores MVNOs – operadoras móveis virtuais.
Segundo Vergani, a Anatel deve começar a estudar as redes neutras em 2022, para elaborar um regulamento, pauta cuja relatoria está com o CPPP. “Hoje não há regulamento, mas a Anatel já considera a sua criação, para minimamente monitorar o setor e avaliar se as gigantes vão ser neutras mesmo.”
O modelo de rede neutra pretende, basicamente, otimizar os investimentos (CAPEX). Para o CCO da V.tal, ao evitar a sobreposição de construção de infraestrutura de rede numa mesma região, independentemente da tecnologia de acesso, é possível promover a expansão dos negócios com uma entrada mais rápida no mercado, acelerando todo o ciclo de vida de ativação do cliente final. “Certamente, esse segmento impulsionará a digitalização no Brasil, preenchendo geografias que hoje carecem de uma Internet de qualidade, seja fixa ou móvel”, acredita Arakawa.
A V.tal teve seu controle adquirido pelo BTG no dia 1º de outubro, negócio que aguarda aprovação da Anatel, prevista para até janeiro de 2022. A expectativa da empresa é investir R$ 30 bilhões até 2025, nas cinco regiões do país, onde conta com cerca de 400 mil km de fibra, chegando a 2,3 mil cidades, com serviços de atacado e de FTTH – fiber-to-the-home e FTTP – fiber-to-the-premises.
De acordo com os donos das redes neutras, seus principais atrativos para os ISPs incluem o retorno financeiro – considerando que a contratação seja competitiva em relação à construção de uma infraestrutura própria –, e o suporte robusto das empresas, geralmente alinhadas à chamada agenda ESG (da sigla Environmental, Social and Governance), de boas práticas corporativas.
Para os provedores, estar associados a parceiros afinados com padrões internacionais também pode favorecer as negociações com fundos e investidores, em processos de consolidação. Parte da estratégia da V.tal para atender ao mercado de ISPs, inclui, por exemplo, parceria com Vispe Capital, consultoria que faz captação de recursos financeiros, apoio à reestruturação, fusão e aquisição para empresas de tecnologia.
No dia 12 de novembro, a empresa realizou o V.day, evento online que reuniu 450 provedores, para apresentar seu pacote de serviços (2 Tb foram oferecidos com 75% de desconto no setup fee de rede neutra, e de 60% a 70% no IP Connect, ao longo do dia), e depoimentos dos seus parceiros, como a Huawei e a Nokia. Além de esgotar as capacidades oferecidas inicialmente em pelo menos dois municípios, Dourados, MS, e Divinópolis, MG, a empresa afirma ter aberto negociação para novos contratos de rede neutra fim a fim FTTH em aproximadamente 70 cidades. Entre operadoras nacionais e provedores regionais, a companhia já contabiliza pelo menos 355 contratos em todo o país.
O CEO da FiBrasil sintetiza as vantagens das redes neutras: “reduz os riscos de retorno sobre investimento, por utilizar um modelo ‘as a service’; libera capital próprio para investimento em captar e atender o cliente final; elimina a necessidade de expertise em construção, operação e manutenção de uma rede FTTH; configura as empresas para serem mais leves em ativos, e muitas vezes até mais rentável para a mesma qualidade de serviço, contando com um serviço diferenciado que terá o nível de sofisticação técnica alavancada sobre a escala de uma empresa de grande porte.” Para o mercado, ele destaca que as redes neutras “estimulam a competição saudável no varejo, enfatizando a qualidade da experiência do cliente – e não a construção da rede –, criando um ambiente de negócios mais eficiente e flexível”.
Em outra frente de ação, a Iniciativa 5G reuniu cerca de 400 provedores de acesso que pretendem construir sua própria rede neutra, cujo desenho está a cargo do Inatel – Instituto Nacional de Telecomunicações. Para o gerente de negócios, treinamento e consultoria do Inatel, Frederico Trindade, a opção por uma rede neutra pode proporcionar ao ISP foco maior na oferta dos seus serviços e no bom atendimento aos clientes. “Ainda, considerando um país com as dimensões continentais como o Brasil e uma rede como a 5G, que requer muitos recursos para operação (alta densidade de acessos, backhaul, redes de transporte), faz todo o sentido viabilizar operações em várias regiões por meio do compartilhamento de infraestrutura em parceria com as operadoras neutras”, diz.
Padrão de interconexão
Arakawa, da V.tal, lembra que as redes neutras já são adotadas em vários países, como Itália, Espanha, Reino Unido, Suíça e Austrália, tornando o mercado altamente competitivo. “As redes neutras criaram uma nova realidade de desverticalização dos serviços, que deve ser incentivada”, afirma.
Para Kriger, da FiBrasil, um padrão de mercado poderia acelerar essa integração: “o que a Anatel poderia fazer é exigir que as redes neutras criassem um padrão de APIs para conexão com seus clientes ISPs, de forma a facilitar a integração sistêmica entre os diferentes participantes do mercado.” Segundo o executivo, esse desafio operacional é requisito básico para a massificação das vendas. “Além disso, essa integração é crítica para dar uma experiência de cliente tão boa ou melhor do que a experiência do cliente em uma empresa verticalizada”, diz.
Outros pontos a serem enfrentados, na sua avaliação, são a saturação da infraestrutura em algumas regiões, com provedores locais ocupando posições em postes e áreas de passagens de cabos, e a qualificação de mão de obra. “Apesar de a tecnologia de fibra ter se tornado massiva no Brasil nos últimos anos, existe uma escassez de profissionais qualificados para desenho e construção da rede.”
Segundo Trindade, do Inatel, uma mudança significativa trazida pelo modelo está no fato de que muitas operadoras neutras vão montar suas redes em regiões interioranas que, eventualmente, não teriam relevância comercial para as principais players. “Aqui se forma uma oportunidade destas operadoras contratarem serviços de rede das neutras nestas regiões, sem a necessidade de investirem em infraestrutura própria. Ou mesmo a exploração dessas redes por operadoras regionais.”
O modelo de operação neutra, afirma, “tende a decolar agora, principalmente após o leilão do 5G, quando deverão ser feitos altíssimos investimentos em infraestrutura inerentes a esta tecnologia (antenas, equipamentos, transporte), somando-se a isto a massificação dos projetos de cidades inteligentes, o agronegócio, a indústria 4.0 e outras iniciativas que demandam alta performance de rede.”
Integrador
O novo desenho do mercado fez surgir a Xplay, que esperar atender o pequeno provedor, na ponta, assegurando ganhos de escala e integrando serviços (B2B e B2C), nas áreas de MVNOs, IoT – Internet das coisas, redes neutras, seguros, cobrança, marketplace, TV & streaming, consultorias. De acordo com o seu CEO, a empresa poderá ela própria, por exemplo, fazer o contrato com a operadora da rede neutra e repassar o acesso ao provedor, mediante uma remuneração. “Por isso, vendi meu provedor e virei um integrador”, conta Vergani. “Porque preciso ser neutro, não posso concorrer com meu próprio cliente.”
A empresa já opera desde 2014 com provedores, oferecendo seguros, certificado digital, chips de celular. E agora quer entrar também no semento de banda larga fixa, inicialmente, alugando portas para as conexões na ponta para o provedor. “Desde 2020, estudo redes neutras e concluí que elas vão ser a nova era das telecomunicações”, afirma. “Como o Uber para o táxi ou o Airbnb para o mercado imobiliário.”