Redes neutras: Modelo viável para maximizar investimentos e aumentar a rentabilidade dos ISPs
Compartilhar infraestrutura em telecom não é algo novo, por isso defendo a viabilidade das redes neutras como uma nova forma de fazer negócio, basta vencer a resistência cultural do “próprio x aluguel” e acreditar no avanço da tecnologia.
Marcelo Rezende, COO da WDC Networks
Compartilhar infraestrutura não é novidade na área de telecomunicações, conhecida pelo seu custo elevado de investimento para poder iniciar a operação. Foi assim que, ao longo dos anos, torres de telefonia, antenas e equipamentos foram compartilhados por diferentes operadoras para diminuir custos enquanto expandiam sua área de cobertura. Hoje, estamos vendo outra possibilidade de compartilhamento de infraestrutura por meio das redes neutras ou compartilhadas, embora ainda não esteja fluindo na velocidade esperada para algo que não é novo no mercado.
Apesar dos fabricantes estarem empenhados em entregar ao mercado OLTs – Optical Line Terminal, roteadores e demais equipamentos de transmissão que facilitem e agilizem a construção e até virtualização das redes neutras, o processo no Brasil não está tão desenvolvido como nos EUA ou nos países da Ásia, onde a adoção já está mais consolidada. Cito o exemplo da operadora Utopia Fiber, que atua nos EUA em localidades selecionadas do estado de Utah. A empresa cobra mensalidade de 30 dólares do cliente de banda larga que quer utilizar a rede. O acesso à Internet é cobrado separadamente pelo próprio provedor. Cada operadora tem seu próprio modelo comercial, com preço, qualidade de acesso e serviços adicionais, que oferecem velocidades de 250 Mbps até 10 Gbps. O modelo comprova que as redes neutras são uma forma eficaz de otimizar os investimentos e aumentar a concorrência de Internet banda larga no Brasil.
No entanto, tenho observado no Brasil uma certa resistência ao modelo por parte dos ISPs no que se refere à segurança e viabilidade de implantação das redes neutras, exigindo um convencimento maior por parte de fabricantes e fornecedores de serviços. É fato que o preço do aluguel de portas de fibra era um pouco elevado quando as operadoras lançaram o modelo, no início dos anos 2000, e naquela época fazia sentindo fazer uma análise mais aprofundada sobre a relação custo x benefício. Porém, o cenário hoje é diferente, uma vez que algumas OLTs já vêm de fábrica com soluções para compartilhamento de redes de forma nativa. Soma-se a isso a diminuição dos custos e aumento da velocidade para provedor expandir sua rede em determinado território, ampliando a capilaridade do serviço, sem perder a qualidade do sinal.
Apesar disso, a desconfiança se manteve e não são muitos os provedores que aderiram ao compartilhamento de redes. De um lado, o ponto de equilíbrio entre operação e preço ainda não foi alcançado; do outro, entre os detentores da infraestrutura que aceitam a ideia de compartilhá-la, o que predomina são redes pequenas, dedicando 5% da operação em um teste ou projeto-piloto, para ver como a operacionalização vai fluir e decidir se é um mercado viável. Há ainda o caso de alguns ISPs que possuem o pensamento de “um dia posso precisar dessa porta para meu próprio negócio” e nem nos testes se aventuram.
Vejo esse comportamento como algo contrário ao que fazemos na TI e Telecom, que é abraçar e pôr em campo avanços tecnológicos para evoluir os negócios. Aderir ao compartilhamento de redes é nada mais do que otimizar o uso da infraestrutura que o operador já montou. É competir em outro nível do negócio, e não pelo número absoluto de clientes finais, sacrificando o ticket médio. Afinal, o maior investimento já aconteceu, por que não lucrar de outra forma em cima dele?
Oportunidades no 5G
Para marcar o primeiro aniversário da rede 5G no Brasil, a Anatel divulgou um mapa das 315 cidades com esse tipo de cobertura – não confundir com os 184 municípios que possuem a conexão standalone, o “5G puro”, mais rápido – e avisou que mais 1.610 cidades estão na fila para ativar o sinal, dependendo de as operadoras instalarem os equipamentos e pedirem a ativação das antenas.
Temos aqui, nesta expansão da rede, uma grande oportunidade de negócios para o compartilhamento de redes, pois o 5G não concorre com a rede FTTH, uma vez que essa tecnologia não sobrevive sem a rede de fios que conecte as antenas. A oportunidade para o provedor está no aluguel da sua infraestrutura, já montada e cabeada pelos postes, para as operadoras que queiram implantar a cobertura 5G naquela cidade.
Diante do grande investimento para a instalação das antenas e demais equipamentos, claro que essas operadoras vão preferir compartilhar uma rede já existente para economizar em custos, acelerar a ativação do sinal e entrar no mercado que vai muito além das residências e empresas com sinal de internet, que passa pela automação em fábricas, IoT – Internet das coisas, cidades Inteligentes entre outras aplicações.
Cabos nos postes
Normas técnicas, como a ABNT NBR15214, e planos diretores de cidades estão cada vez mais fechando o cerco contra o excesso de fios nos postes – cinco é o limite mais comum entre as diferenças por distribuidoras de energia ou estados. Sim, o aterramento tem sido uma solução, porém é incompleto. Isso abre espaço ao provedor que já passou seu cabo no poste, mas ainda tem metade das portas do CTO – caixas de atendimento, na sigla em inglês) livres, para alugar ou vender à outra operadora uma Rede Neutra virtualizada.
Aqui entra a parte da estratégia de negócio. Montar um bom projeto para fazer, manter e ofertar ao mercado a operacionalização da sua Rede Neutra. Para a execução do compartilhamento, pode-se contratar empresas no mercado que ofertam consultoria ou mesmo buscar as fabricantes de OLT, que oferecem tutoriais e outros tipos de orientações para este fim em seus websites. E uma vez separada corretamente a rede, não há risco de receber um sinal mais fraco ou suspensão de uma porta para atender outras, a distribuição é transparente e o cliente final nem percebe a diferença na internet.
Vejo o mercado de redes neutras como foi o mercado da banda larga e os provedores regionais há alguns anos: quem saiu na frente construiu clientela, fez bons negócios e ganhou dinheiro. Compartilhar infraestrutura em telecom não é algo novo, por isso defendo a viabilidade das Redes Neutras como uma nova forma de fazer negócio, basta vencer a resistência cultural do “próprio x aluguel” e acreditar no avanço da tecnologia.