Transformação digital em telecom: Um longo e inevitável caminho
Muito em breve, a digitalização estará vinculada ao uso das redes 5G e 6G em todo seu potencial, à computação quântica, à busca de soluções de realidade estendida para além da realidade virtual e da realidade aumentada, ou da cocriação e manutenção de metaversos poderosos.
Fernando Moulin, business partner da Sponsorb, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente
Telecomunicações é um setor de negócios verdadeiramente fascinante. Passados já quase 25 anos desde a revolucionária – para a época – Lei Geral de Telecomunicações e as inúmeras transformações e impactos que ela trouxe para toda a economia nacional e para a vida das pessoas em geral, ainda sentimos a mesma “excitação” de outrora ao pensar em todas as promessas e potencialidades que o 5G, recentemente licitado, poderá brevemente trazer para nosso dia a dia.
Fato é que poucas indústrias incorporam em si mesmas tantos elementos de tecnologia quanto o setor de telecomunicações. Inclusive, por muito tempo grande parte da sociedade não conseguia entender com total clareza os benefícios concretos trazidos pela indústria, que teimava em focar excessivamente os aspectos técnicos por detrás de sua constituição e nas infinitas combinações de siglas que os definem.
Após o advento da crise sanitária decorrente da pandemia da Covid-19, mesmo as personalidades mais resistentes se renderam à necessidade e aos benefícios oriundos da conectividade. Existem mais linhas de celular ativas do que habitantes no Brasil; a quantidade e qualidade dos serviços de banda larga providos pelas ISPs – provedores de serviços de Internet em inúmeras praças do interior do país e cidades de médio porte estão cada vez maiores, facilitando sobremaneira a digitalização, refletida em indicadores quantitativos como a penetração de vendas do e-commerce no total da economia do varejo nacional, bem como na profusão infinita de grupos de WhatsApp e de influenciadores digitais no YouTube, Instagram ou TikTok.
As operadoras, em sua maioria, seguem investindo robustamente quase 20% de seu faturamento anual na construção e melhoria das redes e de seus serviços, ano após ano. É uma demanda que parece não ter fim e seguir eternamente crescente.
Tive a oportunidade de trabalhar no setor em seu início, ainda nos anos 2000, bem como de passar por fabricantes constituintes de sua cadeia de valor mais ampla ao longo da carreira e de ocupar, por alguns anos, posição de liderança em uma das principais e maiores operadoras do planeta. Nesta última passagem, fui agraciado com a missão de ajudar a constituir, organizar e liderar um dos maiores programas de transformação digital do Brasil.
Poderia ser uma frase dita hoje, mas há quase 10 anos (quando comecei esta jornada), já se dizia que as operadoras precisariam realizar uma ampla transformação digital, para não se tornarem inviáveis financeiramente e irrelevantes perante consumidores B2B e B2C cada vez mais exigentes. E ainda que o cenário fosse radicalmente distante do atual em termos de competências e capacidades digitais das empresas do setor, fato é que a transformação digital segue sendo uma dor latente e uma necessidade primordial das telcos.
Antes, a digitalização consistia em oferecer soluções digitais para os usuários, como aplicativos para autosserviços, portais funcionais e com bom design, canais de e-commerce e atendimento digital; hoje, consiste no uso aprimorado de técnicas de big data e inteligência artificial para desenvolvimento de novos produtos e serviços e para um profundo entendimento das dores dos clientes, no lançamento de novas soluções digitais para os clientes em parceria com startups e empresas de outros segmentos, na otimização inteligente das redes a partir de algoritmos, ou mesmo na contínua automação do back-end e dos softwares para prestação dos serviços core e non-core.
Muito em breve, a digitalização estará vinculada ao uso das redes 5G e 6G em todo seu potencial, à computação quântica, à busca de soluções de realidade estendida para além da realidade virtual e da realidade aumentada, ou da cocriação e manutenção de metaversos poderosos e que farão do filme Matrix apenas uma versão embrionária desta realidade cada vez mais integrada entre os universos “real” e “virtual”.
Mas um fator continua sendo essencial e preponderante para o êxito neste processo de transformação contínuo: a forte demanda por talento capaz de entender soluções digitais, desenvolvê-las e atuar aplicando a tecnologia em negócio, sempre com um profundo viés humano e um olhar individualizado em prol das necessidades mais íntimas de cada cliente, seja ele uma empresa, seja um consumidor final.
A tecnologia em si nada mais é do que uma habilitadora. Portanto, há que se investir cada vez mais no talento humano que seja capaz de utilizá-la com propriedade, foco no business, mas principalmente no usuário. Para isto, um dos grandes desafios históricos das operadoras é sua simplificação em termos de governança e sistemas, eliminando camadas de ineficiência decisórias e processuais que não agreguem valor ao acionista ou ao cliente final.
A metodologia agile e soluções como o design thinking têm importante papel neste contexto, ajudando na criação de equipes multifuncionais cada vez mais autônomas e empoderadas. Ainda que todas as operadoras hoje já adotem esta prática (e tenho orgulho de ter ajudado neste pioneirismo, com a concepção do Vivo Digital Labs), ainda vejo enorme espaço para evolução e aprimoramento no processo de adoção do ágil em escala, por exemplo.
Outro caminho é a alocação de um orçamento específico para que os times de inovação, voltados para o desenvolvimento de novos produtos e serviços ou mesmo buscando soluções mais disruptivas e de impacto potencial menos intuitivo, possam ter relativa autonomia no desenvolvimento de seus projetos e iniciativas sem ampla interferência do status quo. Ainda que eu acredite que uma empresa inovadora em essência não devesse, em teoria, ter um núcleo específico de inovação, o fato é que, em ambientes de culturas conservadoras e avessas à transformação, este núcleo inicial em geral é fundamental para que haja um rompimento da inércia e a entrega de soluções iniciais mais disruptivas e com foco puro em transformação digital para os usuários finais.
Várias empresas do setor têm encontrado seus próprios caminhos e ritmos na busca de acelerar seus programas de transformação digital. Particularmente, ainda acho que veremos muitas novidades nesta fronteira ao longo dos próximos anos.
Sabendo da enorme ambição dos executivos do setor e que as operadoras estão bastante distantes de serem a referência de experiência e digitalização que seus clientes esperam, antevejo desafios bastante interessantes para todos que abraçarem a jornada de transformação digital em telecomunicações. O mundo precisa desse setor cada vez mais forte e digital – e eu não tenho nenhuma dúvida de que há uma belíssima oportunidade de carreira para quem quiser fazer a diferença real na vida de milhões de pessoas, que certamente serão beneficiadas pelo processo massivo e inexorável de transformação digital.