Foto – br.freepik.com
TV pela Internet gera novos negócios para os ISPs
Para serem competitivos, os provedores de serviços de Internet precisam estar atentos aos novos hábitos de consumo dos seus clientes. Oferecer serviços de TV, via OTT ou IPTV, pode ser uma vantagem.
Mário Moreira, colaborador Infra News Telecom
A pandemia da Covid-19, que obrigou milhões de pessoas a se isolarem em casa, serviu de impulso para um novo tipo de serviço oferecido pelos provedores: a TV pela Internet, por meio das tecnologias IPTV ou OTT – over the top.
Os serviços de streaming via modalidade OTT usam a Internet pública, ou seja, o fornecedor do serviço não é responsável pela rede de acesso do usuário, enquanto na modalidade IPTV o serviço é oferecido em uma rede gerenciável disponibilizada pelo provedor de Internet (caso dos serviços de TV oferecidos por algumas operadoras de telecomunicação).
Há várias características que diferenciam essas tecnologias, explica Claudio Lessa, CEO da empresa de consultoria Next Media Entretenimento e vice-presidente da Abott´s – Associação Brasileira de OTTs. No caso do IPTV, o operador terá que investir mais em infraestrutura, como headend, encoder (opcional), multiplexador, CAS (sistema de encriptação de conteúdo), plataforma de IPTV (middleware) e set-top boxes (compatíveis com o sistema de middleware), para ser implementada na residência do assinante. Será preciso ainda do equipamento de borda (switchers L3), para controle e gerência do IGMP (protocolo que controla os membros de um grupo de multicast IP) das requisições de fluxo multicast originados pelos STBs.
Já na OTT, o sistema é mais otimizado na infraestrutura, sendo escalonável. O operador precisará investir em headend (ou contratar empresas especializadas em oferecer o headend como serviço), além de transcodificação e plataforma de OTT com os aplicativos (white label) para diversos dispositivos. Poderá ofertar serviços como parte de uma estratégia que pode ser composta de canais lineares ou programas gravados, bem como um acervo de filmes em VoD – vídeo sob demanda, incluindo subsistemas de mecanismo de recomendação com base no hábito de consumo dos assinantes e ferramenta analítica embutida para coleta de informações em tempo real (muito útil para a área de BI – businesse intelligence do operador). Um dos benefícios do OTT é poder assistir à programação de qualquer dispositivo com acesso à Internet.
“Vale ressaltar o parecer da Anatel do final do ano passado pelo qual o serviço de streaming não deve ser enquadrado na lei da TV Paga, o SeAC – Serviço de Acesso Condicionado, por não configurar serviço de telecomunicações. Assim, tanto IPTV como OTT são considerados SVA – serviço de valor agregado, por terem uma relação de dependência com os serviços de telecomunicações para entregar o streaming”, acrescenta Lessa.
Segundo Jaime Fernando Ferreira, diretor da Avicom, empresa especializada em broadcast, TV, streaming e OTT, a principal vantagem para os ISPs – provedores de serviços de Internet com o uso dessas tecnologias é a diversificação dos negócios. “Boa parte do sistema já está implantada, como infraestrutura de fibra óptica. Cabe ao ISP buscar parcerias e identificar a melhor solução de tecnologia para implantar um sistema IPTV ou OTT”, completa.
Para Renato Svirsky, fundador da Guigo TV, que mantém acordos com 14 provedores locais e regionais em sete estados, os benefícios são mútuos. “Para nós, a vantagem é a distribuição. Os provedores têm uma capilaridade que ninguém mais tem e estão dentro da casa do usuário. Em um país tão grande, isso faz diferença”, diz. Ele aponta o aumento da rentabilidade para os provedores, já que é possível cobrar um pouco mais do cliente, elevando o tíquete médio do assinante.
Svirsky lembra que é difícil para um provedor entrar no negócio de TV, já que é preciso desenvolver aplicativos e negociar com os canais, o que, segundo ele, é “uma dor de cabeça”. Na sua opinião, ter uma empresa que faça esse trabalho intermediário e ofereça serviços já testados no mercado pode ser uma boa opção. “E se o provedor atua numa cidade pequena, não vai conseguir fazer um investimento grande em TV. Nós fazemos a ponte; o ISP não precisa investir em infraestrutura e manutenção da rede. Ele só precisa vender.”
A Guigo TV é uma plataforma de streaming independente, com conteúdos nacionais e internacionais. O assinante pode assistir à programação no celular, tablet, smart TV, Android TV, Amazon Fire TV, XBOX One e TV box. É possível conectar até oito dispositivos, sem cobrança adicional, e assistir em cinco telas simultaneamente (até duas no mesmo local). O pacote básico tem 52 canais e custa R$ 20,90.
Na opinião de Dalton Prado Miranda, diretor de clientes e inovação da NxTV, que há dois anos atua no setor com uma plataforma de canais lineares, canais fechados e vídeos sob demanda, a parceria com os provedores permite “uma verdadeira relação de ganha-ganha”, em que os ambos os lados têm oportunidades de atrair clientela. “Entregar uma plataforma segura com inovações constantes, custo baixo e conteúdo relevante é o básico. Precisamos ir além, ajudando os provedores que já são clientes e os futuros clientes com temas que, de fato, agreguem valor ao negócio”, afirma. “Muitas vezes não sobra tempo para olhar para o mercado nacional e internacional para acompanhar as tendências, então está em nosso DNA trazer essas novidades para os clientes.”
De acordo com Ferreira, da Avicom, a TV pela Internet é um negócio muito competitivo e com várias possibilidades, já que um ISP pode contratar uma empresa especializada na geração de conteúdo OTT para oferecer um pacote com os diversos serviços, incluindo canais de vídeo na nuvem, aplicativo OTT, solução de OTT Content Management Systems, de integração com o sistema de cadastro e cobrança.
A solução ainda pode incluir a CDN – content delivery networks ou redes de distribuição de conteúdo e ter um custo cobrado com base no total de acessos ou por quantidade de dados consumidos. “Algumas fornecedoras de soluções de OTT podem até montar uma solução mais flexível, incluindo Multi CDN, que permite o uso de várias CDNs para atender, por exemplo, à demanda de um grande evento, que tenha muitos acessos ao mesmo tempo.”
Assim como Svirsky, da Guigo TV, Ferreira alerta que lançar uma plataforma de vídeo não é uma solução simples e requer consultoria especializada. “Hoje existem empresas que podem oferecer quase 100% da solução, mas em geral são sistemas mais limitados em crescimento. Por outro lado, soluções mais flexíveis podem ser montadas com investimento maior, mas com capacidade de atender mais clientes. Tecnicamente são soluções possíveis, conforme a disposição e capacidade do ISP.”
Há também o desafio de convencer os provedores, afirma Svirsky: “Eles têm muito receio de coisas que não conhecem”. Ao firmar parcerias com serviços de IPTV e OTT, diz, os servidores devem tomar alguns cuidados, como verificar se as empresas têm todos os contratos com as emissoras para o streaming. É necessário também pesquisar se a empresa possui site. “Tem gente vendendo por Whatsapp as soluções, que muitas vezes são nebulosas.”
Serviços de IPTV e OTT
A SAT, que desde os anos 90 oferece serviços de Internet banda larga e TV por assinatura em Caxias do Sul, RS, e no litoral de São Paulo, lançou no início de 2020 uma plataforma de IPTV e OTT para ISPs. A empresa tem parcerias com 35 provedores pelo país, com previsão de mais dez este ano e um total de 150 até o final de 2022. Segundo o diretor de mercado da empresa, Alberto Knob, o projeto da plataforma foi inicialmente frustrado pela pandemia, que afetou os planos dos provedores. Depois, porém, a ideia se revelou oportuna. “Apesar do problema sanitário gravíssimo, para o setor foi um excelente negócio. Nunca se consumiu tanto a banda e o entretenimento, e começou a haver uma disposição dos provedores para agregar o serviço de TV.”
De acordo com ele, hoje os provedores já entendem que, para fidelizar os clientes, é preciso incluir outros serviços, pois a concorrência é muito grande. “Os provedores estão em plena expansão no Brasil. Não é mais possível chegar a outro bairro levando só internet. Ou se baixa muito o preço ou se oferece algo que o concorrente não tem. E a TV é um dos apelos, até pela afinidade, pois o provedor já tem a fibra cabeada e os clientes.”
Para o executivo, os provedores enfrentam dois grandes problemas para veicular TV. O primeiro é a pirataria: “Muitas vezes, o assinante tem internet e `TV Gato´ em casa, mas, quando a TV trava, ele atribui o problema ao provedor. Então o provedor precisa oferecer TV para aquele cliente, senão ele vai procurar um concorrente ou continuar na pirataria”. O segundo problema é a própria concorrência: “Sem serviços agregados, o provedor não se sustenta mais oferecendo só banda larga”. Os servidores têm então três desafios, afirma o executivo: primeiro, tomar a decisão de agregar o serviço de TV; depois, pesquisar as empresas de TV por internet para fazer uma parceria; por fim, escolher o conteúdo. “Não basta oferecer qualquer conteúdo, é preciso saber o que o assinante quer.”
A SAT conta com uma rede de fibra óptica com 180 quilômetros de extensão e está presente em milhares de domicílios com serviços de TV e Internet. Na plataforma de IPTV e OTT, oferece 210 canais, todos contratados diretamente das programadoras.