Um panorama sobre a homologação de produtos para telecomunicações
Para ser comercializado no Brasil, um produto de telecomunicações precisa estar devidamente homologado pela Anatel. Este artigo tem a intenção de apresentar um panorama sobre o processo de homologação, que consiste em algumas etapas e que envolve a seleção de OCD e de laboratórios de ensaio acreditados. Alguns dos principais ensaios necessários no processo são também mencionados.
Marcelo Sanches Dias e Fabrício Gonçalves Torres, pesquisadores do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
A Anatel é uma agência reguladora criada em 1997, com a intenção de regular e/ou fiscalizar as telecomunicações. Estão inclusos nos serviços regulados pela agência: telefonia fixa, comunicação móvel (incluindo o 5G), comunicação multimídia, radiodifusão, TV por assinatura, rádio do cidadão, radioamador, radiofrequência, satélite, streaming web radio e demais serviços de telecomunicações. No Brasil, os produtos para telecomunicações somente podem ser comercializados se estiverem devidamente certificados e homologados pela Anatel.
O uso e a comercialização de produtos não homologados podem acarretar processos e multas para a empresa e/ou pessoa física que esteja infringindo a lei, além dos custos devido à inutilização do produto. Somente em 2021, 3,3 milhões de produtos irregulares foram retirados de circulação pela Anatel, por meio do Plano de Ação de Combate à Pirataria. Desde o início do Plano, em 2018, a Anatel já apreendeu uma quantia da ordem de R$ 470 milhões em produtos de telecomunicações, sendo que os principais foram: equipamentos de radiação restrita, carregadores de baterias e conversores digitais de TV.
Os caminhos para a homologação de produtos para telecomunicações
O processo de certificação e homologação pela Anatel consiste, resumidamente, em seis etapas, conforme descritas a seguir.
- Fabricante ou representante do produto a ser certificado ou homologado deve buscar e selecionar um OCD – Organismo de Certificação Designado, e fornecer as informações relativas ao produto.
- O OCD analisa as características do produto e determina quais os ensaios aplicáveis a ele.
- O fabricante ou o representante deve buscar e selecionar um laboratório que realiza os ensaios determinados para o produto. O laboratório de ensaio deve ser acreditado pela Cgcre – Coordenação Geral de Acreditação do Inmetro, e os ensaios solicitados devem estar ativos no escopo de acreditação.
- O laboratório de ensaio deve executar os ensaios para o produto e emitir os Relatórios de Ensaio.
- O OCD deve analisar os resultados do ensaio e, caso não haja qualquer resultado insatisfatório, emitir o Certificado de Conformidade e cadastrar no SCH – Sistema de Certificação e Homologação, da Anatel.
- Por fim, a Anatel analisa toda a documentação e emite o Certificado de Homologação.
É importante salientar que, caso um modelo já homologado passe por alterações significativas em seu design ou em suas características técnicas, este produto deve ser homologado novamente.
Em algumas situações, são previstas pelas resoluções da Anatel que um produto homologado deve ser reensaiado com o objetivo de verificar se ele continua a atender os requisitos de desempenho e segurança estabelecidos pela agência.
Ensaios gerais para produtos de telecomunicações
Conforme artigo 3° do anexo da resolução 715 de 2019 da Anatel, é necessário que todos os produtos de telecomunicação atendam, em especial, os requisitos de segurança, de compatibilidade eletromagnética (CEM), de proteção ao espectro radioelétrico e de não agressão ao meio ambiente, entre outros princípios listados nesta resolução. Estes requisitos são avaliados por meio de ensaios realizados por laboratórios acreditados, em atendimento às normas técnicas aplicáveis.
Os ensaios de segurança elétrica para homologação são estabelecidos pelo Ato 17087, de 2022, o qual possui requisitos para avaliação de conformidade. No anexo a este Ato, são apresentadas avaliações que determinam qual o nível de ruído acústico gerado pelo equipamento, requisitos sobre proteção contra incêndio, choque elétrico ao usuário em condições anormais e sobretensões, se o produto pode gerar um aquecimento provocando danos, entre outros requisitos. No geral, os ensaios de segurança elétrica avaliam se o produto sob ensaio garante a confiabilidade e, principalmente, a proteção dos usuários de possíveis danos.
Em Compatibilidade Eletromagnética ou Electromagnetic Compatibility (EMC), os ensaios são estabelecidos pelo Ato 1120, de 2018, o qual determina os requisitos para avaliação de conformidade, que possui a seguinte abrangência:
- Requisitos de Emissão de Perturbações Eletromagnéticas.
- Requisitos de Imunidade a Perturbações Eletromagnéticas.
- Requisitos de Resistibilidade a Perturbações Eletromagnéticas.
Estes ensaios são realizados de forma irradiada e conduzida, ou seja, por meio de cabos ou outros meios de condução. Para avaliar se o equipamento emite perturbação irradiada acima do nível permitido, e se ele é imune a perturbação de radiofrequência irradiada, é necessário realizar o ensaio dentro de uma câmara semianecoica (fig.1), ou seja, em uma sala controlada, em que não há influência externa devido à sua blindagem, e que possui absorvedores, que possibilitam a não reflexão nas paredes e teto da câmara.
Além de câmaras anecoicas ou semianecoicas, os ensaios de EMC envolvem outros dispositivos, tais como as células TEM – TransverseElectroMagnetic, que podem ser uma alternativa de menor custo para ensaios de imunidade a campos elétricos em equipamentos de pequenas dimensões (fig. 2). Tanto a câmara semianecoica quanto a célula TEM, podem ser usadas para ensaios de desenvolvimento, onde o fabricante acompanha os ensaios conhecendo as emissões e o quanto é imune seu equipamento de telecomunicações.
Marcelo Sanches Dias é engenheiro eletricista e responsável pela área de compatibilidade eletromagnética do Laboratório de Usos Finais e Gestão de Energia da Unidade de Energia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. Possui mais de 15 anos de experiência em ensaios de compatibilidade eletromagnética. mdias@ipt.br; linkedin.com/in/marcelo-dias-emc.
Fabrício Gonçalves Torres é físico e responsável pela área de Alta Frequência e Telecomunicações do Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT. Possui mais de 15 anos de experiência e realiza auditorias, consultorias e treinamentos na área de qualidade e metrologia.