Uso de satélites para acesso à Internet: Uma solução e um problema
A ideia de usar satélites para conectar à Internet regiões remotas e de difícil acesso é interessante, mas ela contribui para o agravamento de um problema: o congestionamento do espaço.
Vivaldo José Breternitz, doutor em ciências pela Universidade de São Paulo, é professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Disponibilizar acesso à Internet por banda larga em regiões remotas é algo penoso e caro, pois é preciso criar estrutura para lançar cabos de fibra óptica no fundo do mar, de rios ou em terra, suspensos em postes ou enterrados.
Diversos projetos alternativos foram desenvolvidos, de forma a tornar desnecessários os cabos, dentre eles um do Facebook, já abandonado, que previa o uso de drones movidos a energia solar.
Outro desses foi o Loon, da Alphabet, controladora do Google, que o cancelou no final de janeiro de 2021. O projeto, implantado comercialmente no Quênia em 2020, utilizava balões estacionados na estratosfera.
Antes disso, a tecnologia Loon já havia sido usada para atendimento de urgência a 250 mil usuários em áreas atingidas por um furacão em Porto Rico, no ano de 2017, e em 2019, no Peru, onde foram lançados balões apenas 48 horas depois que o país foi atingido por um forte terremoto.
Mas a ideia nunca se provou viável do ponto de vista financeiro e a empresa entendeu que, à medida que o mundo se tornava cada vez mais conectado, ela não conseguiria ganhar muito dinheiro operando apenas em países pobres e sem opções de conexão, coisa que as empresas de telecomunicações haviam percebido mais cedo, simplesmente deixando de se interessar por atender locais remotos e pouco habitados.
Outras dificuldades apareceram. Quando tentou obter autorização para voar com seus balões sobre a Venezuela, para atingir outras partes da América do Sul, a Loon foi impedida pelo governo de Nicolás Maduro. Alguns países que seriam clientes em potencial da Loon receavam que os balões da empresa pudessem ser usados para fins de espionagem.
No momento, a alternativa mais promissora é o uso de satélites, sendo o projeto mais avançado o Starlink, desenvolvido pela SpaceX, empresa ligada ao grupo Tesla, comandado por Elon Musk, que disse que o serviço está saindo da fase beta em outubro deste ano.
Presente em 14 países, a empresa já vendeu cerca de 100 mil kits de acesso e ainda aguarda autorização de outros países para iniciar suas operações. Só nos EUA, a companhia tem permissão para oferecer o serviço a 1 milhão de assinantes e vem tentando expandir esse total para 5 milhões. A empresa já está chegando ao Brasil.
A SpaceX lançou o Starlink como um serviço experimental no final de 2020, ao custo de US$ 99 mensais. Não estão incluídos aí os equipamentos, uma pequena antena parabólica e seu suporte, fonte de alimentação, roteador Wi-Fi e cabos, que custam US$ 499.
O Starlink foi projetado para atender clientes em locais remotos, onde as opções de acesso à Internet são limitadas ou mesmo inexistentes; talvez seja por isso que as pessoas estão dispostas a arcar com esses custos, bastante elevados em relação aos praticados nas áreas onde o acesso é mais fácil; apenas em julho passado, a empresa ganhou 10 mil novos clientes.
O serviço usa uma constelação formada por milhares de pequenos satélites para fornecer conexão à Internet. A SpaceX já colocou em órbita quase 1800 deles, mas tem planos de ter 42 mil satélites, com o objetivo de atender todo o planeta, suportando um volume elevado de tráfego de dados, a velocidades adequadas.
Quem pretende concorrer com a SpaceX é a Amazon, que inclusive está contratando pessoal para acelerar seu projeto Kuiper, uma constelação de mais de três mil satélites, com investimentos acima de US$ 10 bilhões.
O Facebook deu início ao Athena, um projeto similar, que não foi para frente, tendo a Amazon contratado o pessoal envolvido, alocando-o ao Kuiper.
A ideia de usar satélites para atender regiões remotas é interessante, mas contribui para o agravamento de um problema, o do congestionamento do espaço. Um relatório produzido pelo European Southern Observatory, uma entidade formada por governos europeus, alerta que satélites em órbita baixa, a menos de 600 quilômetros da Terra, como os da Starlink, devido à sua capacidade de refletir a luz do Sol, podem trazer problemas a programas científicos que requerem observações noturnas.
Dentre esses programas estão a busca de asteroides potencialmente perigosos para a Terra e o estudo da radiação visível e das ondas gravitacionais provenientes do espaço. Outro problema nessa área é a presença do lixo espacial: mais de 20 mil objetos maiores do que 10 centímetros, totalizando quase 7 mil toneladas, estão em órbita da Terra, sendo que alguns deles têm velocidades que se aproximam dos 10 quilômetros por segundo.
Esses objetos, restos de foguetes e satélites, representam perigo para as missões espaciais, pois mesmo um fragmento minúsculo, viajando em alta velocidade, pode danificar naves e até causar a morte de astronautas que estiverem a bordo. Além disso, satélites em operação correm o risco de serem atingidos, gerando inúmeros problemas, especialmente na área de telecomunicações, podendo até mesmo paralisar o sistema GPS e outros similares, por exemplo.
As soluções para esses problemas podem requerer diversas medidas, como por exemplo automatizar satélites para que evitem colisões. Neste caso, é necessário estabelecer regras similares às vigentes para o tráfego de automóveis: se dois satélites entrarem em rota de colisão, qual deles deve se desviar? Em que direção? Vale lembrar que não é possível parar um satélite.
Alterações de altitude também ajudam, mas elas podem diminuir a eficiência dos satélites ou aumentar seus custos. Questões geopolíticas devem ser consideradas: talvez nem todos os países que lançam satélites queiram submeter seus veículos a algum tipo de restrição, sabe-se muito pouco acerca de satélites de uso militar.
Novas soluções trazem novos problemas, os quais são necessários enfrentar; com certeza é preciso que organizações supranacionais discutam e fixem regras para o uso de satélites, que tende a crescer exponencialmente.